Uma hora e um quarto de estrada para norte de Mbombela (antiga Nelspruit), desviamos para leste, para o portão de Phabeni.
Supostamente formados para prevenir a caça furtiva e os incidentes dentro do parque, os guardas examinam o porta-bagagens, em busca de armas e de álcool. Passamos a inspecção.
Detemo-nos do lado de lá. Chama-nos a atenção um quadro. Exibe um mapa detalhado da área protegida.
O mapa, por sua vez, está pejado de ímanes circulares, de distintas cores, percebemos, entretanto, que marcavam os avistamentos recentes de espécimes dignos de registo.
Eram sete da manhã. Apesar da hora, contavam-se já muitos os imanes agarrados ao metal gasto. Fotografamo-los, como referência.
Voltamos a arrancar. Momentos depois, deparamo-nos com nova e inesperada sinalização. Indicava umas ruínas.
Com algum esforço, encontramo-las, subsumidas na savana que a época das chuvas fazia crescer, um mero amontoado de tijolos envelhecidos, de um ocre escurecido, restos da base de uma qualquer, em tempos, útil edificação.
As Ruínas que Testemunham a História Aventurosa de João Albasini
A placa identificava-as como ruínas Albasini. Painéis dispostos sob um telheiro explicavam a sua origem, secular e que, sem grande surpresa, nos era conterrânea.
Quem mandou erguer a estrutura foi João Albasini, de família italiana, mas, reza a História, nascido, em 1813, em Lisboa, a bordo de um navio destinado a África, motivo porque se ajustou a uma forma aportuguesada do seu nome, de outra forma, Giovanni.
Em 1831, João Albasini instalou-se em Lourenço Marques, à época, uma base concorrida para as mais diversas empreitadas africanas.
Caçador inveterado, deixou-se enredar pela ganância do ouro branco, o marfim, então, abundante, disponível, legal e até subsidiado pelos governos de certas nações coloniais.

Manada de elefantes cruza uma estrada de terra do PN Kruger
Albasini estabeleceu um mapa de rotas para o interior da savana africana.
Forjou alianças com o povo Tsonga. Abasteceu os Tsonga de armas que lhes garantiram supremacia sobre as tribos rivais, em particular, sobre os zulus de Shoshangane, que há muito os oprimiam.
Como seria de esperar, exigiu contrapartidas. A principal, que os Tsonga o abastecessem de marfim. Os Tsonga anuíram. O acordo terá garantido a Albasini o serviço de meio milhar de caçadores, armados, treinados a rigor.
Fruto dos seus esforços e de muita carnificina, obteve centenas, milhares de valiosos marfins.
Com o tempo, a confiança mútua aprofundou-se. Os Tsonga nomearam Albasini seu chefe tribal honorário. Chegaram a chamar Albasini a uma área central do seu território na actual província de Limpopo.
Mais tarde, missionários suíços rebaptizaram-na de Valdezia.
Magashula’s Kraal: o Povoado Europeu Inaugural da Savana da África do Sul
João Albasini lucrou ainda com o fornecimento de outros bens a partir do porto de Lourenço Marques, através de terras tidas como “da mosca tsé-tsé” – como eram as actuais da Reserva de Maputo – até ao entreposto agora arruinado que tínhamos pela frente, Magashula’s Kraal.
Estabelecido em 1845, foi considerado o primeiro povoado europeu na região do Lowveld sul-africano. Foi ali que os Boers se habituaram a recolher o que adquiriam ao negociante.
Dois anos depois, Albasini comprou uma quinta em Ohrigstad, mais para noroeste. Lá desposou Gertina Petronella, filha de Janse van Rensburg, um dos bóeres pioneiros na colonização do interior da África do Sul.

Girafa acima da savana densa do PN Kruger
A influência de Albasini na região justificou que, em 1858, os portugueses o nomeassem vice-cônsul na África do Sul.
Faleceu em 1888.
Numa penúria inesperada, se tivermos em conta a intensidade dos seus negócios. Em particular, a recolecção e venda de muito e valioso marfim, num precedente que abriu caminho a vários outros caçadores-mercadores, caso do figueirense Diocleciano das Neves.
Um tráfico que, mesmo ilegalizado, se prolonga no tempo, que vitima os elefantes, rinocerontes e outros animais da zona.
Parque Nacional Kruger: uma Área Protegida Hiperbólica do Sul de África
Com quase 20.000 km2, 360km de comprimento por uma média de 60km de largura, limitado a norte pelo rio Limpopo e a sul pelo rio Crocodile, isolado, a leste, de Moçambique pelas montanhas Lebombo, o PN Kruger é imenso.
Apesar da sua história de caça, preserva uma das maiores populações de elefantes de África, com mais de trinta mil espécimes, inseridos numa flora das mais diversificadas do continente.

Uma orquídea Stapelia Gigantea
Pouco depois de retomarmos a estrada do parque, uma manada que a cruza obriga-nos a retrocedermos para uma distância segura.
Adiante, vemos um grande bando de abutres a voarem em círculo.
Outros, pousados no cimo de árvores.

Abutres em modo de ventilação, a usar a brisa suave acima da savana
Quando nos aproximamos, percebemos que o fazem acima de uma lagoa, com as margens salpicadas de patos, de uns poucos facocheros e búfalos.
Sentimos um cheiro nauseabundo.
Um Ecossistema Complexo, Espécies e Espécimes sem Conta
De um ponto mais próximo, percebemos o cadáver de um hipopótamo em decomposição. Retiramos, apressados, para salvo da pestilência.
Passamos por mais elefantes, entretidos a banharem-se numa zona de prado baixo e ensopado, também frequentado por zebras, cudos e outros antílopes.

Hiena desconfiada pela aproximação de leoas.
Uma hiena caminha ao largo, de olho em possíveis refeições, atenta sobretudo à ameaça de duas leoas que vislumbramos, à sombra de uma acácia portentosa.
Noutra próxima, um calau-de-bico-amarelo prepara-se para devorar um gafanhoto recém-capturado.

Calau segura um gafanhoto recém-capturado.
Girafas despontam do nada, as suas cabeças bem acima da vegetação espinhosa que vela uma manada de búfalos indolentes.
Castiga-nos um calor abrasivo.
É, assim, com alívio, que vemos a estrada aproximar-se da área de descanso de Skukuza (também lugar da sede do parque) e do rio Sabie, habitat de crocodilos, cruzado com frequência por elefantes despreocupados com os répteis.

Crocodilo tenta combater o calor tropical do PN Kruger.
Refrescamo-nos, renovamos energias.
A Ponte Ferroviária Polémica sobre o Rio Sabie
Com vista para o rio e para uma ponte ferroviária que por ali o atravessa. A ponte integra uma tal de linha Selati, erguida em 1892-93.
Suspensa pouco depois, quando o governo da República do Transvaal descobriu que o francês Eugene Oppenheim por detrás do consórcio tinha subornado boa parte dos membros do parlamento do Transvaal para assegurar o controlo da linha.
Findo o imbróglio, a Rep. de Transvaal ficou com 120km de caminho-de-ferro abandonado. Oppenheim e um irmão viram-se condenados a três anos de clausura numa prisão de Bruxelas.
Mais tarde, a linha foi recuperada. Provou-se útil e rentável.
A determinada altura, cerca de 250 composições atravessavam o parque, por semana. Abatiam inúmeros animais, apanhados desprevenidos.

Uma das muitas zebras do PN Kruger
Por essa razão, em 1960, as autoridades substituíram-na por outra que passava mais para oriente da área protegida.
Hoje, uma composição imobilizada ao longo da ponte aloja um dos hotéis mais excêntricos e dispendiosos do parque e de África, inaugurado muito em função da sua localização única, do ponto de vista elevado acima do rio Sabie, no coração da savana do PN Kruger, a mais vasta, mais visitada, a primeira área protegida da África do Sul.
PN Kruger: a Fusão de Áreas Protegidas iniciada no Século XX
O PN Kruger teve a sua génese, em 1898, na reserva de vida selvagem de Sabie, criada para impedir a extinção de várias espécies, a começar pelos elefantes, que caçadores como João Albasini e Diocleciano das Neves tinham, ao longo dos anos, eliminado.

Macaco-vervet, examina a paisagem
Seguiu-se, em 1902, com o mesmo fim, a Reserva de Singwitsi, situada no extremo norte do PN Kruger.
No decorrer do século XX, nativos e fazendeiros foram removidos de uma área muito mais ampla.
Em, 1926, a anexação da Reserva de Shingwedzi às duas outras, complementada com a anexação de várias fazendas extensas, permitiu a oficialização do PN Kruger.
Foi baptizado em homenagem do presidente da República de Traansval, de 1880 a 1900.

Homenagem aos fundadores do parque mais antigo da África do Sul
Como resultado da sistematização e aperfeiçoamento da protecção – sem despeito de inúmeros problemas, com destaque para o pecado capital do abate ilegal de rinocerontes – o PN Kruger abriga 147 espécies de grandes mamíferos.
Mais que qualquer outra reserva de vida selvagem africana.
Incluindo o sempre relevante e ansiado Big Five.

Manada de búfalos concentrada no lowveld do PN Kruger.
A Activação Providencial para o Turismo da Linha Selati
Entretanto, a linha Selati permitiu que os primeiros grupos de turistas o visitassem, na sequência do que já acontecia, havia três anos, com a Reserva de Sabie.
Mais recentemente, o parque foi dotado de estradas, várias, asfaltadas.

Jipe percorre uma estrada de terra batida do parque, sobre o ocaso.
O facto de, como fazíamos, permitir aos visitantes percorrerem-no ao volante das suas viaturas, tornou-o um sucesso inequívoco.
Apesar de, de tempos a tempos, como expectável, sucederem incidentes: esmagamentos causados por elefantes, como aconteceu no fim de Janeiro de 2025, ataques de leopardos e outros.
Bem mais frequentes, são as mortes de animais atropelados por viaturas.

Jipe percorre uma estrada secundária do PN Kruger
Faltava-nos encontrar um leopardo. Buscamo-lo, tarde fora, no caminho para o portão de Malelane, o conveniente para seguirmos rumo a Mbombela.
Em vão.
Dessa feita, ficamo-nos pelo Big Four.
O Big Five já o tínhamos cumprido uns dias antes, em Kapama, uma reserva situada a norte do parque, parte duma área não oficial denominada Greater Kruger Park.

Sol prestes a pôr-se, visto atrás de uma árvore do PN Kruger.
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