Cabe a Mikka a tarefa de nos recolher no aeroporto de Ivalo, de nos conduzir até Saariselkä.
Sob uns quase 20º negativos e a estrada frígida, o trajecto demora mais que a habitual meia-hora.
Dá-nos tempo adicional para quebrarmos o gelo e nos inteirarmos sobre o que nos esperava. “Também gostávamos de vos levar ao zénite aqui da região. É onde fica a estância de esqui mais setentrional da Finlândia.
Agora até lá têm uma estrutura de saltos de esqui, para uma competição internacional.” “Também fazes esses saltos, Mikka?” respondemos, na maior das inocências. Mikka, fica a olhar-nos de lado. “Acham? Eu esquio, como se espera dos finlandeses. Agora, nesses saltos, só mesmo os malucos é que se metem!”
Rimo-nos os três às gargalhadas.
Saariselka e o seu Famoso Hotel & Igloo Village Kakslauttanen
Pouco depois, damos entrada no domínio do Hotel & Igloo Village Kakslauttanen.
É suposto fotografarmos auroras boreais a partir de um dos iglôs locais, com telhado de vidro.
“Mikka, como está a previsão meteorológica e das auroras, sabes?” Bom, vou ter que ser sincero… Eu não sou aqui do hotel. Eles é que são os especialistas.
Eu não ligo muito a isso.
De quando em quando, a minha mulher está a cozinhar e vê-as pela janela da cozinha. Às vezes, chama-me e até espreito, mas olhem que não é coisa a que dediquemos muita atenção…”.
Voltamos a partilhar gargalhadas, desta feita, indignadas.
Ficamos entregues ao Hotel & Igloo Village Kakslauttanen. Recuperamos energias numa das suas cabanas de madeira aconchegantes.

Caminhada entre as cabanas de madeira do hotel Kakslautern
Maksim, um Sami ex-Russo, Rendido à Finlândia
Como acontece com frequência, na vasta Lapónia Finlandesa, dedicamos a manhã a um passeio puxados por renas, com Maksim como anfitrião.
Maksim é um sami de origem russa que, convencido das vantagens do modo de vida suómi, decidiu mudar-se para o lado finlandês.
É ele que, enfiado num traje sami colorido, guia as renas pela floresta de coníferas carregadas de neve. De início, mantém um ar austero.
Assim que o confrontamos com uma bateria de perguntas, revela-se um conversador nato. A inquirição deverá ter-lhe soado mais interessada e profunda que o que estava habituado.
O fundo dos seus olhos azulões sem fundo, prenda-nos com desabafos, estórias e memórias repletas de emoção.

Sami de origem russa, Maksim, conduz um passeio de renas a norte de Inari.
A Diferença da Vida na Rússia e a da Finlândia
Entre tantos outros temas, das dificuldades, na Rússia, onde até o extremo norte padece de falta de planeamento e da incontornável corrupção, à integração na Finlândia, que o começou por assustar, quando via a maior parte do dinheiro que a família fazia desaparecer em impostos.
Antes de perceber que o estado cobria quase todas as grandes despesas, incluindo as inesperadas. O convívio com Maksim daria para boa parte de um artigo.
Já o publicámos, há uns tempos, sobre os Sami e o seu papel de Guardiães da Europa Boreal.
A paragem que segue, mais que o dinheiro, tem como objecto o metal precioso. Passamos pelo Museu do Ouro de Tankavaara, que se promove como o único, no Mundo, dedicado ao passado e presente do garimpo e da prospecção do ouro.
A História da Prospecção do Outro na Lapónia Finlandesa
A localização do museu tem a sua razão valiosa de ser. Desde há muito, os rios da região de Saariselkä escondem pepitas de ouro.
Sem surpresa, ao longo dos tempos, a região acolheu as suas próprias febres do ouro, a mais dramática, a de 1870, que se alastrou a partir da confluência do rio Ivalo com o tributário Sota.
Nessa altura, a Lapónia finlandesa integrava o Grande Ducado da Finlândia, parte do Império Russo. Esta febre inaugural foi viabilizada pelo Czar Alexandre II. Até Abril de 1870, os Czares russos retinham o direito a todos os metais preciosos dos seus territórios.
Alexandre II decretou que a prospecção passaria a ser livre para todo e qualquer homem “decente” do Grande Ducado da Finlândia e do Império Russo.
Regulamentada por licenças concedidas e por oficiais estatais fixos numa estação da Coroa, encarregues de adquirir o ouro encontrado.

Estátua gelada do museu de ouro de Saariselk
Consolidado o degelo, durante a Primavera e Verão desse ano, mais de quinhentos homens cruzaram a Lapónia, centenas de quilómetros a fio, a pé, a esquiar e de barco.
Comparada com outras famosas – as do Oeste Americano, do Yukon e afins – a Febre do Ouro da Lapónia Finlandesa parecerá insignificante.
Ainda assim, provou-se de enorme importância para o interior gelado e desertificado da actual Finlândia.
Outra Actividade Hiper-Rentável da Finlândia, a Pilotagem de Rallies
Na sequência, entramos em modo de estudo de outra actividade em que a Finlândia é prodigiosa.
Por essa altura, torna-se Markku o responsável por nos guiar. Tem o mesmo nome de um dos muitos pilotos suómis famosos, Markuu Alén, ainda hoje, o piloto com mais sucesso no Rally de Portugal, com cinco títulos.
Estava longe de ser um pedido com que o homónimo contava. Markku satisfaz-nos e leva-nos até ao Action Park de Saariselkä. Lá nos deparamos com uma dezena (ou mais) de pilotos de karting a disputarem uma pista repleta de meandros cavados em neve profunda.
Já era uma estreia vermos tal desporto em modo nevado. Markku reservava-nos mais. “Agora, deixo-vos ao cuidado deste craque!”. Num ápice, equipamo-nos. Entramos a bordo de um Subaru de rally.
Agarramo-nos ao que podemos, sob a pressão da velocidade e das forças geradas pelas travagens e acelerações insanas.

Carro de rally faz uma curva em derrapagem
Aqui e ali, também por toques nos montes de neve que delimitavam a pista.
Findas as voltas de teste, deixamos o carro, bem mais brancos do que antes da experiência, com as pernas a tremer devido ao excesso de adrenalina.
“Vocês é que pediram!” atira Markku, sarcástico, ainda assim, fiel à sua incorruptível diplomacia e educação.
Nessa tarde e fim de dia, uma funcionária do Hotel & Igloo Village Kakslauttanen, mostra-nos a extensão natalícia do resort. Já estávamos quase em Abril.

Edifício de madeira do Santa Park de Saariselka
Saariselka e a Terra do Pai Natal Encerrada
A Santa Land mantinha-se encerrada. Mesmo assim, admiramos os edifícios vermelhos erguidos enquanto Casa da Celebração do Pai Natal.
Era, à data, a casa tradicional de troncos maior da Finlândia.
Passamos também pelo escritório do Pai Natal.
E espantamo-nos com a Torre dos Trolls inusitada que encontramos entre pinheiros, destacada no cimo de uma elevação.
Nesse dia, àquela hora, tudo, sem sinais de vida, quanto mais de vida natalícia.

A torre dos Trols do Santa Park de Saariselka
À Caça de Auroras Boreais
Não tarda, anoitece. Instalamo-nos num dos igloos de tecto de vidro do resort.
A muito esforço mantemo-nos despertos. Por volta das dez da noite, detectamos as luzes dançantes no céu.
Mesmo enregelados pelos 30º negativos, observamo-las e fotografamo-las.

Aurora boreal serpenteia acima do casario de Kakslauttanen.
Até às três da manhã, até já quase não aguentarmos. Até ficarmos com a sensação que a Raposa de Fogo tinha, por fim, debandado.
Aqueles igloos eram procurados por gente dos quatro cantos da Terra. Tínhamos que os libertar cedo. Só dormimos até às 8h30 da manhã.
O Kiilopää Fell Center e o Imenso PN Urho Kekkonen
Duas horas depois, Miika reaparece. Leva-nos ao Kiilopää Fell Center, às portas de uma das maiores áreas protegidas da Finlândia, estendida até à fronteira com a Rússia.

Esquilo dourado numa árvore desfolhada
O PN Urho Kekkonen foi baptizado em honra de um anterior primeiro-ministro e presidente da nação suómi.
Mikka conduz-nos até uma torre no cimo do Monte Sokosti, de onde, com a meteorologia indicada, poderíamos avistar o Grande Urso.

Visitante no cimo da torre panorâmica do Monte Sokosti
Nesse cimo, o vento soprava forte e frígido.
Num ápice, faz-nos desistir da contemplação. Voltamos a descer.
Mikki deixa-nos ao cuidado de Mauri, guia em parques nacionais finlandeses desde 1985.
Mauri lidera uma caminhada de duas horas e quase 6km, acima e abaixo do monte e suas encostas.
Suportada por raquetes de neve nos pés.
E por bastões nas mãos, que deixamos cair nas vezes sem conta que paramos para fotografar os cenários impressionantes em redor.

Caminhantes andam sobre raquetes na neve do PN Urho Kekkonen
O Trauma da Finlândia perdida para a U.R.S.S.
Almoçamos com Mauri.
O novo guia fala-nos do seu passado como militar.
Aborda um dos temas mais sensíveis para qualquer finlandês, o contexto bélico e político complexo que levou a que, em 1940, a União Soviética tenha capturado 9% do território da Finlândia, incluindo o “braço” nordeste de Petsamo e a Karélia.
Mauri chega a desabafar sobre o trauma que a família passou, quando se viu obrigada a abandonar Viipuri (agora, Viborg) a cidade em que viviam.

Grupo de finlandeses usufrui do calor do loumlyly, o vapor produzido pela água despejada sobre as pedras aquecidas.
A estreia na caminhada sobre raquetes deixa-nos moídos. A merecermos a smoked sauna que mais tarde nos esperava, uma alternância entre calor e mergulho em água de rio fria de rachar.
Tão revigorante como a passagem por Saariselkä.
E como aquela descoberta da Lapónia Finlandesa que prosseguimos por terras ainda mais boreais de Inari.

Iglôs panorâmicos do hotel Kakslautern
COMO IR
Reserve o voo Lisboa – Helsínquia, Finlândia com a TAP: flytap.com por a partir de 200€. De Helsínquia, poderá cumprir a ligação para Ivalo com a Finnair. Ivalo fica a meros 30 minutos, por estrada, de Saariselkä.