A incursão matinal na marina de Cabo San Lucas depressa revela uma animação com que não íamos a contar.
Deparamo-nos com embarcações de vários tipos, iates multimilionários e lanchas sofisticadas.
Abundam as pangas, barcos pequenos, usados para os mais distintos fins, para passeios e pescarias profissionais.
Àquela hora, aliás, as entradas e saídas de pescadores intensificavam-se. Alguns, descarregavam peixe acabado de pescar. Uns poucos, preparavam-se para zarpar para o Oceano Pacífico, munidos de distintos tipos de isco.
Essa azáfama alimentava uma outra. A da comunidade local de leões-marinhos e de pelicanos, há muito habituada a conviver com os pescadores.

Leão-marinho emerge das águas límpidas do Mar de Cortés
A Fauna Pedinchona da Marina de Cabo San Lucas
Vemo-los nadar e esvoaçar em volta das embarcações e molhes, de olho em petiscos por eles lançados, ou proporcionados por momentos de distracção.
Por si só, os movimentos desta fauna justificavam que por ali continuássemos. Um grande leão-marinho macho acompanha os vaivéns dum pescador dentro de um barco.
Ansioso, de cada vez que se detém junto à proa e à popa, projecta-se para fora de água, a cabeça bem esticada, de maneira a perceber o que fazia, afinal, o humano.

Pelicano sobrevoa a marina de Cabo San Lucas
Juntam-se-lhe dois pelicanos. Fartos de voar acima, pousam na água esmeralda e translúcida.
Como acontece vezes sem conta, o pescador comove-se com a exibição do leão-marinho.
Em jeito de recompensa, atira uma pequena sardinha para o ar.
O leão-marinho estica-se ainda mais e devora-a.

Pescador oferece um peixe a um leão-marinho pedinchão
Segue-se uma segunda sardinha, mesmo assim, outra mera gulodice, se tivermos em conta os 250 ou 300kg do bicho.
Enquanto isso, indignado, um dos pelicanos aproveita a diversão do pescador. Esgueira-se pelo bordo contrário e rouba o seu próprio pitéu de um balde descurado.
Passam dois músicos, a caminho de um dos bares que servem a povoação.
Um deles, ri-se a bom rir.
Manda uma boca ao pescador, num mexicano com demasiado de dialecto local para a conseguirmos compreender.

Músicos percorrem a marina de Cabo San Lucas.
Navegação ao Largo do Litoral de Cabo San Lucas
Prosseguimos.
Registamo-nos no escritório duma empresa de tours. Cumprido o procedimento, seguimos até uma secção do porto dedicada a embarcações de maior calado. Sobre as nove da manhã de novo dia solarengo, subimos a bordo de um veleiro.
Mani, o animador, dá as boas-vindas aos passageiros, em castelhano e inglês, como o justificava a prevalência de turistas gringos naqueles domínios de Los Cabos. No processo, apresenta-nos Pablo, o comandante, e Karol, a fotógrafa de serviço.
Pouco depois, deixamos a marina, ao longo da linha rugosa de costa em que, quase 1700km para sul de Tijuana, a longilínea Baja Califórnia encontra o seu fim.
Quase no pino do Inverno do Hemisfério Norte, mesmo na iminência do Trópico de Câncer, o sol não tinha subido o suficiente para iluminar as principais atracções daquele litoral dramático, situadas no sopé do sobranceiro Monte Solmar.
Navegamos diante de sucessivas enseadas e do famoso Arco.

O Arco emblemático da Finisterra do Cabo San Lucas
O foco principal do itinerário era, no entanto, distinto. Em vez de se demorar na sombra, o comandante Pablo ruma na direcção de que o sol provinha.
Acerca-se do litoral da Baía do Cabo, uma longa enseada arredondada, dotada de areais alvos que acentuavam o tom esmeraldino do oceano.
Aos poucos, o litoral define-se.
A Costa Sobreexplorada entre Cabo San Lucas e San José del Cabo
Constatamos uma profusão de edifícios, na sua maioria, resorts hiperbólicos, erguidos em betão, impostos ao deserto de Sonora sem qualquer critério ambiental.
Com uma tal intensidade e mácula paisagística que, do deserto e das suas praias, só subsistia uma franja espartilhada de areia.

Iate ancorada em frente a Cabo San Lucas
Pablo detém o veleiro ao largo de uma dessas praias, a de Santa Maria. “Rapazes, se quiserem dar uns mergulhos, é só descerem.” anuncia Mani.
“Se quiserem, peguem nas máscaras de snorkeling e barbatanas. Há muitos corais e peixes nestes recifes em volta!“ Desejosos de nos refrescarmos, seguimos a sugestão.
Regressamos ao veleiro antes de alguns dos outros passageiros.
Tagarelamos um pouco com o timoneiro Pablo.
Diz-nos que estava de férias em Los Cabos havia dezasseis anos: “antes, trabalhava na Cidade do México, com computadores, softwares e coisas assim.

Pablo, o timoneiro do veleiro
Vim cá uma vez, ajudar uns amigos a instalar programas em restaurantes e agências. Acabei por ficar a trabalhar com eles e rendi-me a esta vida árdua dos veleiros e dos tours.”
Rimo-nos os três da ironia. Conversamos um pouco mais.
Cetáceos à Vista
Até que se dá um fenómeno que a tripulação tinha já auspiciado: são avistadas baleias.
Mani faz despachar o derradeiro snorkeler. Pablo navega tão depressa quanto o veleiro podia, para o quadrante em que as baleias se moviam. Conseguimos aproximar-nos.
Eram quatro ou cinco. Não tarda, umas poucas mais. E golfinhos curiosos que as pareciam escoltar. Algumas, submergiam com suavidade.
Exibiam-nos as caudas massivas que as locomovem e lhes dão direcção.

Baleia revela a cauda a passageiros de um veleiro durante uma submersão.
Outras, mais distantes, projectavam-se do oceano em saltos rotativos, numa coreografia cetácea impressionante, a que Pablo, Mani, Karol e outros tripulantes de embarcações próximas já tinham assistido vezes sem conta.
A Migração Milenar das Baleias para os Mares da Baja Califórnia
Há milénios que as baleias e outros cetáceos animam as paisagens marinhas do sul de Los Cabos, como o fazem Baja Califórnia acima, seja do lado do Oceano Pacífico, seja ao longo do Mar de Cortés.
Por norma, de Dezembro a Abril, baleias cinzentas e corcundas chegam de águas árcticas em busca das lagoas mais tépidas e protegidas da Baja Califórnia, sobretudo as de San Ignácio e Ojo de Liebre, também a Baía de Magdalena e outros lugares. Nesta migração anual, passam em frente à Baía de Los Cabos.
A determinada altura, as baleias e outros cetáceos eram já tantos que tinham atraído uma frota de embarcações concorrentes. Todas, navegavam, para lá e para cá, ao sabor dos caprichos dos animais.
Estávamos entregues a esse delicioso entretém de as admirarmos quando Pablo se apercebe que era hora de voltarmos. Fazemo-lo à vela, propulsionados pelos ventos Alísios. Desembarcamos pouco depois da uma.
Almoçamos por ali mesmo. Descansamos.
Certos de que a exposição solar matinal nos tinha sido desfavorável, reentrarmos na marina, apostados em desbravamos a finisterra da Baja Califórnia como o merecia.
Embarque numa Panga, de Volta à Finisterra
Consecutivos recrutadores-comissionistas tentam conduzir-nos. Acabamos à conversa com um duo de pescadores e timoneiros que nos pareceram mais tranquilos e necessitados: Rafael, originário de Acapulco. E Rodrigo, de Sinaloa, pai de Kika, moça que emprestava o nome ao pequeno barco que nos esperava.
Rafael queixa-se do intensificar da concorrência, de que as grandes empresas, com grandes barcos, ficavam com demasiados passageiros.
Assunto puxa assunto, afiançam-nos que El Chapo e o seu Cartel de Sinaloa controlaram Los Cabos por algum tempo, mas que, a bem do turismo, as autoridades tinham conseguido erradicar os cartéis.

Lancha deixa uma das praias da Finisterra de Los Cabos
Zarpamos. Concluímos, num ápice, que, àquela hora, o sol iluminava a aba leste do Monte Solmar.
A pequena panga “Kika” garantia-nos uma manobrabilidade imbatível.
Avançamos ao longo da Playa Coral Negro e de uma série de enseadas diminutas que o vazar da maré descobria, cada qual com a sua população de banhistas dourados pelo sol e deliciados, todos clientes de pangas por ali ancoradas.

Snorkelers conversam a pouco distância de El Arco e do Dedo de Neptuno
Contornamos uma tal de Roca Pelicano, assim denominada por servir de pouso a essas aves exóticas.
Um grupo de snorkelers explorava as rochas submarinas e recifes em redor, entre leões-marinhos habituados a partilharem o seu território.

Snorkeler no cimo da Roca del Pelicano
Para desagrado do timoneiro Rodrigo, um dos snorkelers dedica-se a conquistar a Roca Pelicano, a exibir-se e fazer-se fotografar no seu cimo.
Continuamos.
Repetem-se falésias avançadas face ao Monte Solmar.

Casal conversa acima da linha de rebentação do lado do oceano Pacífico
A Playa dos Amantes, as Outras Playas e Atractivos do Cabo San Lucas
Contornada a próxima, desvendamos a entrada na Playa de los Amantes, assim baptizada pela privacidade que concede aos casais.
Mais para dentro, revela-se um areal imenso exposto a um Oceano Pacífico bravo e traiçoeiro.
Tratava-se da Playa del Divórcio, estimávamos que propícia a que um membro do casal lá se livrasse do outro.
Desembarcamos. Espreitamos ambas, por breves momentos. A prioridade estava em chegarmos à hora certa ao ponto alto do itinerário.

Uma das formações rochosas inusitadas da Finisterra do Cabo San Lucas
Circundamos o Dedo de Neptuno, uma enorme agulha de rocha que aponta o céu, numa suave diagonal.
Logo abaixo, damos com o Arco, a formação rochosa mais emblemática do conjunto, um pórtico natural que a erosão esculpiu na rocha e que permite enquadrar a paisagem marinha em ambas as direcções.

Pequena panga detida em frente a El Arco
Junto ao Arco, admiramos ainda a Ventana del Pacífico, um orifício em que se diz que o oceano comunica com o Mar de Cortés.
Em seguida, visitamos a Reserva de los Lobos Marinos.
Ali protegidos, tanto dentro de água, como sobre lajes rochosas, ao sol, aquelas criaturas concentravam-se numa comunhão ruidosa e belicosa.

Reserva dos lobos-marinhos da Finisterra do Cabo San Lucas
A Reserva dos Lobos Mariños e o Término Sul da Baja Califórnia
Os dois rochedos que os abrigam formam a finisterra do Cabo de San Lucas.
São os derradeiros pedaços de terra bajacaliforniana, aquém da vastidão do oceano.
Na década de 30 do século XVI, os Conquistadores chegaram a estas paragens então habitadas pelos indígenas Pericúes. Os nativos cometeram o erro de lhes revelar que, nos seus mares, abundavam as pérolas.
Mesmo se a prioridade dos Espanhóis eram o ouro e a prata, aquela riqueza alternativa acelerou a colonização das terras contíguas e a dizimação dos Pericúes.
Cortés, os Conquistadores e os missionários que sempre os seguiam sobrepuseram-se e começaram a moldar os fundos da Baja Califórnia naquilo que hoje são.

Pequena panga detida em frente a El Arco
COMO IR
Voe para La Paz, México, via Madrid e Cidade do México, com a TAP e a Aeroméxico, por a partir de 910€.