Em contactos online anteriores Philippe Lucien já nos tinha alertado que andava deprimido. Pouco depois de o encontrarmos numa das casas de férias que gere, acaba por desabafar o motivo: “Sabem, não é fácil a minha vida em Martinica.
Nasci cá mas mudei-me cedo para França, casei-me lá e tive filhos. Mas nunca me senti integrado. Perguntavam-me a toda a hora se era da Argélia ou de Marrocos, meio desconfiados com o meu visual. Depois, quando voltei para cá, também me senti sem identidade.
Estamos num paraíso oficialmente francês mas, aqui, há que escolher de que lado se vive, se do dos pretos ou do dos brancos… eu não pertenço a nenhuns.”
![Conjunto San Chénn, Fort de France-Martinica, Antihas Francesas](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Conjunto-San-Chénn-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas-1024x683.jpg)
Banda San Chénn toca numa rua de Fort-de-France.
Nos vários fins de dia que passamos à mesa com ele e com a namorada Severine, as contradições francófonas das Antilhas vêm à baila vezes sem conta, com os mais distintos desenvolvimentos. Depois, nas manhãs seguintes, saímos bem cedo para explorar Martinica e viver o tema no terreno.
Philippe Lucien é filho de um advogado abastado de Fort-de-France. Foi nestas duas gerações de Luciens que a capital da ilha mais mudou.
A rivalidade de Fort-de-France com a vizinha Saint Pierre pelo estatuto de capital prolongou-se até ao virar do século XX, quando as duas cidades tinham quase o mesmo número de habitantes e dividiam instituições administrativas e militares. Por essa altura, Saint Pierre estava na dianteira por a sua população ser mais concentrada e urbana.
Mas em 1902, o vulcão Monte Pelée entrou em erupção e devastou-a. Só dois dos seus quase 30.000 habitantes resistiram e os sobreviventes dos arredores tiveram que se mudar para Fort-de-France.
Desde então, a cidade assumiu-se como a verdadeira capital de Martinica e nunca mais parou de crescer.
Uma Incursão Curiosa no bairro Trenelle-Citron
Com os adventos da crise económica dos anos 30 e da 2ª Guerra Mundial, Fort-de-France entrou em descontrole à medida que a população se aproximou dos 100.000 habitantes, muitos instalados em bairros de lata.
![Trenelle Citron, Fort de France-Martinica, Antihas Francesas2](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Trenelle-Citron-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas2-1024x681.jpg)
O bairro densamente habitado de Trenelle Citron, nos arredores da capital Fort-de-France.
De 1945 a 2001, o maire Aimé Cesaire procurou restabelecer a ordem da sua cidade mas nem todos os problemas foram completamente resolvidos.
Encontramos num deles – o quartier de Trenelle-Citron – um inesperado apelo visual que acaba por originar uma das peripécias mais curiosas que vivemos em Martinica.
![Biblioteca schoelcher, Fort-de-France-Martinica, Antihas Francesas](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Biblioteca-schoelcher-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas-670x1024.jpg)
A biblioteca elegante Schoelcher, com muitos dos livros que pertenciam à colecção pessoal de Victor Shoelcher, um representante do movimento abolicionista da Martinica e Guadalupe.
Sondamos as ruelas abaixo de um viaduto do subúrbio de Shoelcher para encontrarmos um ponto para fotografarmos o casario de Trenelle quando damos com uma tal de Rue du Photographe. Em má hora, decidimos registar a sua placa.
De imediato, abre-se a porta de uma casa ao lado e um jovem morador de tronco nu e barba rija sai para o exterior a berrar de forma intimidante. “Que é que vocês querem? Desapareçam daqui! Não têm nada que se meter na nossa vida.”
Uma Compreensível Confusão e Rejeição
Reagimos com estupefacção e demoramos vários minutos a acalmar o residente, entretanto acompanhado por 5 amigos todos de boné, roupas desportivas e, felizmente bem mais cool.
Com a paciência necessária, explicamos e provamos-lhes que não temos nada a ver com a polícia. É o suficiente para nos contarem que são do Haiti e da República Dominicana, e o motivo de tanta inquietação: “Desde que abriram a esquadra ali para baixo, não param de nos controlar.
Já não temos paciência para os aturar e colocámos aquela câmara sobre a porta para percebermos quando aqui vêm. Foi assim que vos vimos. Aqui prendem-nos por tudo e por nada. Fazemos um cavalinho com a mota e vamos dentro. Fumamos uma ervinha e vamos outra vez dentro…”
Acabamos a conviver com os “gangsta” Rolando e António de Castilla e falamos de tudo um pouco.
Do desconhecido Portugal, do Carnaval e das mulheres brasileiras e as políticas económicas de Sarkozy e dos békés, os descendentes dos primeiros colonos da ilha, alguns deles de famílias ainda e sempre poderosas que a população responsabiliza pelo custo de vida cada vez mais incomportável da Martinica.
![Loja, Fort de France, Martinica, Antihas Francesas](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Loja-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas-1024x680.jpg)
Loja de roupa com stock market de Fort-de-France.
Depois, despedimo-nos com respeito mútuo e continuamos para o coração da capital.
Fort-de-France: a Capital Caribenha da Martinica
Percorremos o passadiço de madeira que avança ao longo do mar das Caraíbas com vista para o jardim da Place de La Savane e até à muralha imponente do forte e base militar de Saint Louis, em que ondulam coqueiros e uma inevitável bandeira tricolor.
![Forte de San Louis, Fort de France-Martinica, Antihas Francesas](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Forte-de-San-Louis-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas-1024x681.jpg)
Crianças brincam no Mar das Caraíbas, em frente ao forte de Saint Louis.
Durante o dia, Fort-de-France está entregue à actividade das suas inúmeras lojas térreas, na maioria, sapatarias e boutiques com exércitos de manequins.
Atravessamos o Grand Marché, repleto de fruta tropical, aromas de especiarias, de artesanato e garrafas de rum, ti-punch e outras especialidades licorosas vendidas por senhoras com grande porte e dotes promocionais ainda maiores que nos perguntam “De quel departement êtes-vous…” curiosas sobre de que recanto francês vimos.
Em redor, falamos ainda com dois egípcios que baptizaram a sua loja de Adham e engrossaram uma comunidade imigrante já significativa oriunda do Médio Oriente e arredores.
![Fachadas sob coqueiros, Fort de France-Martinica, Antihas Francesas](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Fachadas-sob-coqueiros-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas-1024x680.jpg)
Coqueiros verdejantes elevam-se sobre um casario colorido e quase térreo de Fort-de-France.
Também conhecemos a família Chen que resolveu mudar-se há três anos de Cayenne e abrir o seu bazar Mei Dieda por a Guiana Francesa se ter tornado demasiado perigosa.
De tempos a tempos, esta Fort-de-France mais terra-a-terra e multiétnica faz-nos esquecer a quem pertence. A sensação raramente perdura.
Quando chegamos às imediações da catedral de Saint Louis, tem lugar o funeral de um antigo veterano de guerra, uma cerimónia que decorre com pompa e circunstância militar.
![Funeral Militar-Fort de France, Martinica, Antihas Francesas](https://www.got2globe.com/wp-content/uploads/2013/12/Funeral-Milita-Fort-de-France-Martinica-Antihas-Francesas-1024x681.jpg)
Cortejo patriótico levado a cabo durante o funeral de um militar da Martinica.
O cortejo lento surge da zona da marginal decorado por mais bandeiras e insígnias francesas.
Oficiais, familiares e amigos de perfil gaulês saúdam e cumprimentam outros afro e, o momento, tão delicado, volta a baralhar os dados. Precisávamos de um ou dois anos de vida nestes confins francófonos para percebermos melhor os seus verdadeiros princípios universais.