Já andávamos com uma semana de Dominica.
Nesse tempo, aos poucos, descemos do quase extremo norte de Portsmouth e do Parque Nacional Cabrits até meio da costa leste. Logo, cruzámos para a costa contrária.
Fizemos da capital Roseau, uma espécie de base operacional para o ocidente.
Uns dias depois, decidimo-nos a sair à descoberta dos fundos da Dominica.
A Dominica de Montanha Verdejante entre Roseau e Soufriére
A sua configuração de grande ilha-montanha luxuriante, despontada entre o Mar das Caraíbas e o oceano Atlântico faz da Dominica uma nação complicada de dotar de estradas. Uma vez mais, o trajecto pela Loubiere Road confirma-se o único possível. Às vezes, parece até inviável, conquistado à lei de dinamite às falésias abruptas.
Passamos a pedregosa Champagne Beach. A Loubiere Road torna-se ainda mais sinuosa e oscilante. Interna-se numa selva íngreme e densa que, como a víamos, até os animais terão dificuldade em habitar.
Decorridos quase vinte minutos sem vislumbrarmos o mar, atingimos um alto panorâmico. Para sul e para nosso completo deslumbre, desvendava-se uma baía imensa, fechada a leste por novas montanhas, as derradeiras da ilha, tão elevadas e verdejantes como as anteriores.
Dali, uma inesperada visão marca uma súbita diferença. Semi-escondida por copas destacadas, numa secção suavizada da encosta quase despromovida a laje, surgia um casario de todas as cores.
À Descoberta da Pitoresca Soufriére
Estávamos às portas de Soufriére. Faltava-nos dar com o litoral amornado no seu sopé.
Cruzamos a fronteira da paróquia de Saint Luke para a de Saint Mark. Instantes depois, abençoa-nos a torre de uma igreja, erguida em honra do último destes santos.
Soufriére abriga quase mil e quinhentos dominiquenses. Àquela hora da tarde, em redor do templo e no seu interior, não encontrávamos vivalma.
Sobrevoavam-nos fragatas e esquadrões de pelicanos, de olho na água translúcida ao largo. Deixamos outro deles adiantar-se.
Quando uma nuvem branca flui acima do morro bicudo que encerrava a baía e deixa o casario à sombra, damos entrada na nave deserta.
Luz filtrada pelos vitrais das janelas faz destacar um altar peculiar que nos intriga e convoca.
Centrada num expectável Cristo na Cruz, uma pintura mural ilustra as gentes e vivências da ilha, fiéis que fazem por merecer a protecção do Salvador.
À esquerda, as comunidades afro-descendentes do interior, da montanha e da selva, cultivadores de vegetais, de fruta, beneficiários da fertilidade vulcânica e tropical da ilha que celebravam ao ritmo de tambores.
À direita de Cristo, os homens do mar de Soufriére, a puxarem redes de pesca do oceano. Um estandarte que cobre o púlpito usado pelo padre promove o lema “Mordomia, um Modo de Vida”.
Com a curiosidade religiosa satisfeita, voltamos ao exterior da povoação, em busca das suas expressões mundanas.
Soufriére e o seu Bubble Beach SPA, Um Retiro Balnear e Borbulhante
Só uns poucos metros separavam a igreja da beira-mar e de um areal terroso banhado por um mar com visual de lago.
Ao pisarmos esse areal, deparamo-nos com uma estrutura balnear improvisada em madeira e pneus pintados.
Um abrigo do sol separa um vestiário de um bar providencial. Já quase sobre a linha de água, um banco identifica um ponto fotográfico.
E um rectângulo feito de cimento e sacos de areia que se interna no mar, delimita umas caldas vulcânicas borbulhantes que o amornavam e que justificam o nome inglês do lugar “Bubble Beach Spa”.
Durante algum tempo, somos os únicos a frequentá-lo. Até que, do nada, surgem duas irmãs dos seus 11 ou 12 e 15 ou 16 anos. Reguilas e irrequietas, num óbvio momento de evasão do lar e da escola.
Já em modo anfíbio, nas termas, aproveitavam para pregarem sucessivas partidas uma à outra, empurrões, amonas e beliscões. Tudo o que lhes passasse pela mente e que servisse de distração.
Sossegam um pouco quando nos veem meter na água e fazer-lhes companhia, a partir de então, intrigadas com a nossa disparidade visual, com as máquinas fotográficas que segurávamos, de onde vínhamos e o que por ali fazíamos.
Tagarelamos um pouco, com as oscilações na temperatura da água a gerarem sucessivas gargalhadas.
No entretanto, a uma hora que nos pareceu pós-laboral ou pós-escolar, um grupo de jovens expatriados afluiu à praia.
E lá inaugurou um convívio na expectativa do ocaso, regado a rum punch e a cerveja Kubuli, baptizada com o termo que os indígenas caribes davam à Dominica e que tem o mapa da ilha no centro do seu rótulo.
De Soufriére para Sul, em Busca dos Fundos da Dominica
A animação do “Bubble Beach Spa” seduzia-nos a por ali ficarmos. Por outro lado, tínhamos consciência que ainda só estávamos no cimo norte da Baía de Soufriére.
Havia uma vastidão arredondada e florestada a separar-nos do limiar meridional da ilha. Ora, tínhamos partido de Roseau com a missão fotográfica de o explorar.
De acordo, despedimo-nos das irmãs com um “até breve”, sem estarmos certos de se as voltaríamos a ver.
Retornamos ao carro. Metemo-nos na estrada marginal que acompanha a baía, pelo sopé da montanha.
Soufriére estende-se por algumas centenas de metros mais. Logo, interpomo-nos no confronto entre selva e mar, com as vagas a embaterem no paredão e, aqui e ali, a salpicarem o asfalto.
Três quilómetros e meio separavam Soufriére do fundo da Dominica. Com a distância quase completa, damos com novo casario.
O derradeiro da ilha, pertencente à aldeia piscatória que, em tempos, ali se aventurou. E que acabou por ficar: Scotts Head.
Scotts Head e o Derradeiro Casario da Dominica
Com pouco mais de 700 moradores, esta povoação deve o seu nome a George Scott, um coronel que, em 1761, participou na força expedicionária britânica que capturou a Dominica aos franceses.
E que foi promovido a governador da ilha, entre 1764 e 1767, apenas para ver os franceses recapturarem-na em 1778.
Apostado em evitar tal revés, Scott supervisionou a construção de um forte no topo da península curva nos fundos da Dominica.
É para lá que nos dirigimos primeiro, de imediato, espantados com a vista incrível sobre a terra-base em frente e, em especial, com o casario sortido que se empoleirava pela sua floresta acima.
Tanto o casario como o istmo são banhados por dois mares que, não fosse aquela faixa irrisória de ilha, se tocariam.
Do cimo da península que os indígenas Caribe tratavam por Cachacrou (“chapéu que é comido”), entre canhões e sobre uma colónia de limpa-garrafas oscilantes, admiramos o Mar das Caraíbas translúcido, a norte e a oeste.
E a sul e a leste, o ligeiramente mais agitado oceano Atlântico.
Uma família de dominiquenses, emigrados e de visita à ilha, vive um deslumbre comparável ao nosso. O deles, pejado de saudade e de emoções derivadas.
Nós, continuávamos intrigados com o porquê de aquele povoado ali se ter instalado.
A explicação obriga-nos a voltar à história de Scott e à disputa França vs Grã-Bretanha pelas Índias Ocidentais.
Scotts Head e a História Dominiquense de George Scott
Depois dos Britânicos terem tomado a ilha, os seus habitantes franceses deram um contributo à reconquista francesa. Na iminência do ataque da frota gaulesa enviada da ilha de Martinica, um grupo destemido levou a cabo uma visita à guarnição inimiga, ávida de companhia.
Como resultado, conseguiram embriagar os soldados de guarida e, não bastasse, sabotaram os canhões do forte com areia.
Até ao fim desse dia, os franceses submeteram o forte e, não tarda a Dominica.
Por pouco tempo. Cinco anos mais tarde, o complexo Tratado de Versalhes, forçou-os a oferecer a Dominica aos Britânicos, algo duplamente frustrante se tivermos em conta que a ilha se situar entre duas ilhas francesas, Guadalupe e Martinica.
Com o tempo e o conformismo ao domínio britânico, as gentes e os lares da entretanto denominada Scott’s Head, continuaram a aumentar, com a vida simplificada pela pesca fácil e pelo acesso directo de ambos os mares.
A Riqueza Tropical e Caribenha da Soufriére Scotts Head Marine Reserve
Em tempos já bem posteriores à independência de Dominica, de 1978, a sua morada na Baía de Soufriére prendou-os com novos benefícios. A baía jaz sobre uma cratera vulcânica submersa.
As suas águas têm uma fauna e flora de tal maneira ricas que as autoridades dominiquenses as declararam uma reserva marinha. Hoje, a Soufriére Scotts Head Marine Reserve é procurada e percorrida por milhares de mergulhadores ansiosos.
O influxo de dinheiro que este turismo acrescentou, fez com que boa parte dos moradores tivessem abandonado a pesca ou a pratiquem apenas em momentos de evasão e lazer, algo que parecia estar para durar, quando voltamos a Soufriére e à sua pitoresca “Bubble Beach Spa”.
O ocaso a ocidente tinha-a já transformado numa completa silhueta. Composta dos muito convivas que falavam de pés na água ou se banhavam.
E a das irmãs irrequietas que, para nosso espanto, continuavam no seu corre para cá e para lá, em puxões e empurrões.
Sem razões para apressarmos o regresso a Roseau, voltamos a meter-nos naquele Mar das Caraíbas alisado e prateado. E a submeter-nos a sua companhia.