Quem ascende do litoral privilegiado da Ericeira, apontado a oriente, encontra uma rotunda ampla.
Lá optamos pela saída para a velha nacional 116, em vez da que leva à bem mais recente auto-estrada A21.
Optamos, assim, por uma incursão, a ritmo comedido, por uma sequência de povoados e lugarejos com marcas inconfundíveis da região Oeste.
Progredimos entre casas e muros caiados. Sucedem-se Seixal, Pinhal dos Frades, Achada e Sobreiro. Sem desprimor para as terras para trás, em Sobreiro, temos uma razão superior para nos determos.
A Mafra da Aldeia Típica de José Franco
Foi lá que nasceu, em 1920, entre quinze irmãos, o oleiro e escultor José Silos Franco.
Foi também em Sobreiro que, orgulhoso das suas raízes, a partir dos 54 anos de vida, José Franco e a esposa Helena deram início à obra meticulosa e duradoura da sua aldeia museu, evocativa e homenageante da cultura, do modo de vida da região saloia.

Réplica de moinho de vento típico, à entrada da aldeia típica de José Franco
Rodam as velas de um moinho de vento diminuto. Produzem um som mecânico repetitivo, semelhante ao de centenas de moinhos genuínos que coroam colinas e morros da vastidão ondulante de Mafra, com o seu zénite a sul de Rogel, nos 430 metros do Cabeço de Manique.
Esse moinho rítmico surge-nos na dianteira de uma sequência de casas alvas, com molduras garridas, azuis, amarelas, protegidas por telhados de telha antiga, de tipo canudo.
Algumas dessas casas servem de montras de antigos misteres e negócios. Umas poucas, combinam-no com lojas de artesanato e recordações, com bares e restaurantes igualmente pitorescos que seduzem os visitantes com os petiscos da região.
Pão saloio com chouriço, broa de mel e noz e, claro está, as queijadas de Mafra, consideradas a especialidade gastronómica primordial do município, com, pelo menos, meio milénio de tradição.
Entre as lojas e a zona de restauração, sucedem-se as obras-primas, a nosso ver, mais peculiares e cativantes de José Franco, as suas aldeias modelo, animadas, pejadas de casinhas, noras e moinhos diminutos, de bonecos figurativos de camponeses, pastores e pescadores.
De animais de trabalho e de utensílios, em tempos, essenciais ao dia-a-dia e à subsistência das gentes locais. Como o foi a da família numerosa, de origem oleira e remediada, de que se veio a destacar o autor.
José Franco: uma Vida dedicada à Olaria, à Cerâmica, ao Sobreiro e a Mafra
José Franco começou por seguir os passos dos progenitores.
Abriu a sua própria olaria.

Escultura do dia a dia duma família de oleiros, como o foi a de José Franco
A partir desse estabelecimento, mas também nos mercados, feiras e festas populares sazonais, abastecia de peças de barro de tudo um pouco uma vasta população que delas carecia.
Esse seu trabalho e, mais tarde, o amor e empenho que dedicou a Sobreiro e à sua “aldeia típica” oleira e ceramista, granjeou-lhe as visitas e a admiração de incontáveis figuras de renome.
Com destaque para a do escritor Jorge Amado que por ele nutria uma estima especial, que mantinha a sua casa de Salvador, Bahia, embelezada com várias suas obras.

Dito em azulejo acima de uma casa miniatura Ponte sobre outra das aldeias miniatura da aldeia típica de José Franco
Pela obra mais vasta do tudo que fez na sua vida, o Presidente da República de então, Ramalho Eanes, condecorou-o, em 1981, como Cavaleiro da Ordem Militar de Sant’iago da Espada.
Em 2001, José Franco foi ainda condecorado Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
A sua aldeia típica subsiste, mais resplandecente que nunca, no Sobreiro.
No caminho de A-da-Perra, de Salgados, de Paz. De sucessivas aldeias já não tão típicas como nos tempos de José Franco.

Vista aérea de Cheleiros
Dessa zona, desviamos para sudoeste. Em busca de uma outra povoação emblemática do concelho.
Às Margens do Rio Lizandro, a Quase Milenar Cheleiros
De tal maneira importante, que, pouco depois de Portugal ter assegurado a sua independência precoce, no contexto da reorganização cristã pós-Reconquista, recebeu (em 1195) uma das primeiras cartas de foral atribuídas por monarcas portugueses, neste caso, por D. Sancho I.
Cheleiros, a aldeia que se segue, surge acima das margens do rio Lizandro, em terras férteis que produziam grande quantidade de víveres, a razão de ser de vários cellarius.
Ora, mais tarde, esses celeiros terão suscitado a nomenclatura da aldeia.

A ponte medieval de Cheleiros, sobre o rio Lizandro
Em Cheleiros, admiramos a ponte velha que arca sobre o Lizandro.
A igreja paroquial de Nª Srª do Reclamador, ajustada de uma construção original gótica, cujo adro ainda acolhe as festas populares locais.
Voltamos a descer para mais próximo do rio. Por ali, encontramos o Pelourinho que reforçava o estatuto do povoado de sede do seu próprio concelho, em vigor de 1195 até 1836, ano em que se viu despromovida a sede de uma das freguesias do actual município de Sintra.
E, em 1855, do de Mafra.

Velho chafariz sinalizado como da CM Mafra
De Cheleiros, revertemos rumo à vila de Mafra. Quando nos acercamos, deslumbramo-nos com a visão bela e amarela do seu palácio desmesurado.
Palácio de Mafra. Um Deslumbre Monumental mas Custoso de D. João V
Com quase 70 metros de altura, as suas torres erguem-se bem acima da linha do casario circundante.
A sua imponência arquitectónica assume verdadeiras proporções, génese de muita controvérsia.

Vista lateral do Palácio de Mafra
Recuemos ao início do século XVIII. As sucessivas remessas de ouro vindo do Brasil asseguravam a Portugal e ao seu império um poderio económico só suplantado pelo espanhol.
D. João V, o rei vigente assumiu a vocação de o afirmar através de monumentos e infra-estruturas a par com as mais grandiosas da sempre dividida e conflituosa Europa.
Em 1708, no contexto da Guerra de Sucessão Espanhola, a corte portuguesa gizou o plano político-diplomático de D. João V se casar com Maria Ana de Áustria, irmã do arquiduque Habsburgo Carlos IV que Portugal apoiava contra o pretendente Bourbon Filipe, neto de Luis XVI de França.
O Tratado de Utretch acabou por reconhecer, em 1714, a desfavor de Portugal, que Filipe assumiria o trono, enquanto Filipe V de Espanha.
Seis anos antes, todavia, uma boda faustosa realizada em Viena tinha já oficializado a união de D. João V com Maria Ana. O rei casou com dezanove anos. Pouco depois, terá feito a frades franciscanos a promessa de que, assim que estivesse garantida a sua descendência, ergueria um convento condigno.
A 4 de Dezembro de 1711, nasceu Maria Bárbara, a primeira de seis filhos de D. João V e de Maria Ana. Pio, o rei manteve a palavra. Mais que cumprir a promessa, deslumbrou-se.
Recrutou o arquitecto e engenheiro militar alemão Johann Friedrich Ludwig que acabou por se mudar para Portugal por forma a trabalhar em equipa com Custódio Vieira, o engenheiro-mor do reino.

Lago e nora reflectida no Jardim do Cerco
Em vez do mero convento, D. João V, apelidado de “Rei-Sol Português”, ordenou todo um complexo com quatro hectares. Johann Friedrich Ludwig desenhou-o em estilo barroco.
Com base em projectos do arquitecto italiano Filippo Juvarra, um palácio imenso, com 1200 divisões, uma basílica desafogada, paço aprimorado, digno de acolher a família real e uma área conventual preparada para acomodar, pelo menos, 300 religiosos.
O palácio foi ainda dotado dum conjunto sineiro com 120 sinos. E, como expoente cultural, de uma biblioteca com 1000m2 e um acervo de 36mil obras, por volta de 1794, uma das maiores da Europa.

Encosta murada da Tapada de Mafra
A Vastidão Florestal e Real da Tapada de Mafra
Como se não bastasse, foram adicionados ao Palácio de Mafra o hoje denominado Jardim do Cerco e a imensa Tapada de Mafra, uma área florestal considerada essencial para a subsistência dos moradores e servos do palácio e do convento,
Assim como para as caçadas e outras formas de evasão de que a família real carecia.

Família de javalis na Tapada de Mafra
Por volta de 1750, o Palácio de Mafra foi dado como finalizado. Na realidade, como expectável em qualquer obra, inúmeros acabamentos continuavam por acabar.
Mais importante. Ao contrário do previsto, nem a família real nem a corte chegaram a ocupá-lo.
Nesse mesmo ano, D. João V faleceu.
Decorrida meia década, dá-se o grande cataclismo europeu do século XVIII. Na manhã de 1 de Novembro de 1755, um sismo e consequente maremoto arrasaram a capital portuguesa.
O Palácio Real que os Reis (quase) Nunca Habitaram
Também deitaram por terra qualquer esperança que o sucessor rei D. José habitasse o palácio.

Papel de parede condizente de um salão da Tapada de Mafra
Diz-se que D. José receava de tal maneira morrer soterrado que, quando ia a caçadas na Tapada de Mafra, em vez de dormir no palácio, o fazia numa barraca real que mandou erguer.
No rol de monarcas portugueses, D. João VI provou-se, a partir de 1807, um morador pioneiro, mas efémero do Palácio de Mafra. Isto, devido a outra catástrofe iminente, as Invasões Francesas, concretizadas, na primeira de três fases, em Novembro desse ano, sob o comando de um tal de general Junot.
A 29 de Outubro, D. João VI e a família real zarparam de Lisboa rumo a Salvador. Levaram consigo boa parte do valioso espólio reunido em Mafra.
E o Percalço Histórico das Invasões Francesas
Um mês depois, o Palácio de Mafra e as suas gentes conformaram-se com um uso imprevisto, o de acomodar os invasores franceses que ocuparam a região, num clima de violência, de pilhagem, de extorsão.
Com a reacção dos aliados históricos britânicos, as forças anglo-portuguesas comandadas pelo futuro Duque de Wellington e pelo Major Neves da Costa agruparam-se ao longo das Linhas de Torres, incumbidas de deter o avanço napoleónico para sul.
No processo, em Novembro de 1810, Sir Arthur Wellesley, William Beresford e o Marquês de La Romana, trio que integrava a Junta da Regência de Portugal que substituiu o rei exilado, ofereceu um banquete memorável na Galeria da Bênção do Palácio de Mafra.
Em Abril do ano seguinte, com um apoio importante da guerrilha portuguesa, Sir Arthur Wellesley, derrotou de vez as forças napoleónicas que debandaram para Espanha.
A monarquia portuguesa foi, assim, restaurada. D. João VI regressou do Brasil. Ele e os monarcas seguintes raramente frequentaram o Palácio de Mafra.
D. Manuel II, o derradeiro rei português, dormiu lá uma noite, na véspera do embarque, na Praia dos Pescadores, Ericeira, em fuga das forças que, em Outubro de 1910, impuseram a república portuguesa.
Mesmo se fruto de um capricho, menosprezado pela monarquia e alvo de incontáveis críticas, o Real Edifício de Mafra – leia-se, o conjunto formado pelo Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada – mantém-se uma das maravilhas arquitectónicas portuguesas.

O forno da cal da Tapada de Mafra
É, aliás, desde 2019, Património Mundial da Humanidade.
Como Ir
Via auto-estrada A21 que parte da A8, Mafra dista meros 30 minutos de Lisboa. 2h30 do Porto.