Contada menos de uma hora de um voo matinal, damos connosco num Uzbequistão bem distinto de Toshkent, a capital.
No trajecto entre o aeroporto internacional de Fergana e Margilan, impressiona-nos um domínio pós-soviético e islâmico, sobretudo rural.
No início de Maio, começo do Estio da Ásia Central, a região dá provas da sua reputada fertilidade.
Agricultores tomam conta de vendas de beira da estrada, em sombras garantidas por sebes providenciais.
Favorecidos por um calor abrasador precoce e com mestria, mantêm empilhadas centenas de melancias listradas e melões de distintas cores, para o que estávamos habituados, hiperbólicos.

Banca de melancias à beira de uma estrada a caminho de Margilan
Os frutos peponídeos atraíam condutores e passageiros.
Vemos vários saírem dos seus Ladas, Volgas, Moskvitches, e dos Chevrolets modernos que, aos poucos, substituem tais relíquias.
Testemunhamos como se entregavam a convívios educados e pacientes com os vendedores.
Quase sem excepção, as transacções dissimuladas redundavam em carregamentos dos porta-bagagens, bancos de trás e até tejadilhos.
Satisfeitos com os proveitos da sua labuta, corteses, os vendedores ajudavam-nos.
Salvo quando surgiam outros compradores e as vendas emergentes o impediam.

Homem e mulher exibem um melão recém-comprado
Também Ravshan, o nosso condutor, se decide. Leva uma grande melancia.
Acomoda-a entre a bagagem que atafulhava a mala.
Despedimo-nos. Retomamos a marcha.
Uns poucos quilómetros adiante, nova cena campestre faz-nos interromper a viagem.

Vista de estrada no Vale de Fergana
O Algodão. Uma das Maiores Fontes de Receita do Uzbequistão
Um grupo de camponesas em vestidos tradicionais largos e garridos, com as cabeças protegidas do sol inclemente por lenços a condizer, removiam ervas daninhas de um campo de algodão, recém-plantado, mas já viçoso.
Atrás delas, destacado acima do seu plano acocorado e de um pedestal, uma estátua homenageava as apanhadoras do algodão uzbeque.

Camponesas num campo de algodão recém-plantado
Isto, mesmo se o Uzbequistão, há muito uma ditadura, obrigou as suas mulheres (e não só), durante décadas a fio, a trabalharem no cultivo e colheita do algodão, sem remuneração.
Ou, a bem de uma das principais fontes de divisa do país, o seu ouro branco, pagas de forma simbólica.
Ravshan apresenta-nos. Explica, ao de leve, o que fazíamos naquele oriente da nação uzbeque. Se, de início, as senhoras estranham a atenção que nos mereciam, depressa ficam mais confortáveis.
A tradução de Ravshan e da guia Nilufar viabilizam uma converseta divertida e uma série de fotos que as levam à gargalhada.
Margilan já pouco distava.

Estrada sinuosa do Vale de Fergana
A Fábrica de Tecidos Artesanal e Prodigiosa Yodgorlik
Apreensiva com a quantidade de lugares que lá nos queriam mostrar, Nilufar roga que voltemos à estrada.
Assim fazemos. Pouco depois, damos entrada na Rua Iman Zahiriddin, morada de uma das fábricas conceituadas da cidade, a Yodgorlik.
A génese da actual Yodgorlik foi fundada, ainda em plena era da República Soviética Socialista Uzbeque.
Opera desde 1972. Só em 2000 foi privatizada e, nesse ano, baptizada com o nome corrente, traduzível do uzbeque como memorável.
Na Yodgorlik, encontramos uma espécie de fábrica evocativa do longo passado do Uzbequistão a produzir seda, e dessa matéria-prima especial, tecidos, tapetes, peças de vestuário e afins.
Como na manufactura, também as visitas começam pelo princípio.
Produção desde o Fio da Seda ao Tecido e Derivados
Ravshan e Nifular levam-nos a um alguidar em que boiavam e amoleciam inúmeros casulos, meros exemplos da criação que a empresa mantem, numa interacção que bem conhecíamos, da infância, entre bichos-da-seda e folhas de amoreira, só que em grande escala.
Dali, prosseguimos para uma roda mecânica em que o fio obtido é transformado em grandes novelos brancos.
A pouca distância, um cavalete baixo sustém vários novelos mais, de cores distintas, em vez de alvos. A actual Yodgorlik fez questão de se especializar também no tingimento da seda.
Em 1996, o British Council ministrava, na Índia, cursos de uso de corantes vegetais e minerais. Os gestores da fábrica fizeram questão de aproveitar a oportunidade. Enviaram quatro dos seus trabalhadores incumbidos de se formarem nesse aspecto da produção.
Próximo do cavalete dos novelos coloridos, jovens mulheres sentadas sobre tapetes entrançam a seda colorida em teares brancos, colocados na diagonal contra as paredes de uma divisão desafogada.
Aos poucos, a sua paciência, o seu incrível talento, faziam compor tecidos com padrões complexos, alguns, de tal forma requintados que têm as suas próprias nomenclaturas: Khan, (Royal Silk), Shoyi, Bo’z, todos estes de pura seda.
Entre os produzidos com mistura de seda e algodão, contam-se ainda os Adras, os Jujuncha e os Beqasam.

Jovens mulheres gémeas, tecelãs
Duas das trabalhadoras, gémeas, trabalham, em duo, um mesmo tecido exigente, ou com prazo de entrega mais apertado.
Na extensão dessa sala, uma outra divisão acomodava grandes teares mecânicos, com telas deitadas, em vez de diagonais.
Assegurava a produção de tecidos mais amplos e de padrões sem a mesma minúcia.

Sala de teares da fábrica Yodgorlik
Cirandamos por ali, intrigados quanto ao que os diferenciava e ao que lá era tecido. Nesse entretém, chega a hora de almoço.
Os 450 trabalhadores da fábrica Yodgorlik ausentam-se.
Em jeito de excepção, duas mulheres passam com os respectivo repastos, tijelas de pilov e dois grandes pães dourados.

Duas funcionárias prestes a iniciarem o seu almoço
Numa sala contígua, dois colegas partilham o seu comer, sobre folhas de jornal estendidas numa secretária diminuta. Acompanham-no com chá servido de um bule de porcelana.
Para lá da mesa de refeição improvisada, vemos um lote de máquinas com ar soviético, esverdeadas, envelhecidas, escurecidas.
Com a devida permissão, fazemos umas poucas fotos. Depois, deixamo-los almoçar sossegados.

Funcionários da fábrica durante a sua pausa de almoço
Ravshan e Nifular conheciam a fábrica de Yodgorlik.
Tinham-nos já revelado o mais importante da cadeia de produção.
Como era expectável, levam-nos até uma sala de exposição, com as paredes brancas cobertas de tecidos, lenços, panos de distintos tamanhos e formas, adequados a uma panóplia de usos.

Nilufar e Ravshan examinam tecidos
Trabalho da Seda e do Algodão na Senda Milenar da Rota da Seda
Séculos atrás de séculos, os tecidos de seda do Vale de Fergana e em particular os da Margilan que nos acolhia, eram procurados no velho Turquestão, em partes remotas da Ásia e de outros continentes.
Abasteciam-nos mercadores que percorriam a Rota da Seda, em caravanas de cavalos e camelos. E outros, que carregavam a valiosa mercadoria em embarcações destinadas a portos longínquos.
Nesse período, a excelência e a quantidade da produção local granjeou à região uma fama que está longe de se extinguir. Uma variável nossa contemporânea fez extrapolar essa mesma notoriedade, e com ela, o valor dos tecidos, sobretudo os da Yodgorlik.
Marcas da alta-costura europeia – de que retivemos os exemplos Gucci e Versace – descobriram a qualidade única e o preço módico das peças ali tecidas.
De maneira a suprirem a procura dos clientes endinheirados, habituaram-se a encomendá-las em grandes lotes, amiúde, sob a forma de contractos internacionais.
À data de criação deste texto, a Yodgorlik fornecia empresas da Coreia do Sul, da Índia, do Irão, da Rússia e da Alemanha.
A Margilan Silk Factory e outras Fábricas Concorrentes
O aumento exponencial da procura – mesmo de produtos de qualidade inferior – justificou a emergência de fábricas concorrentes, casos da Atlas e da Margilan Silk Factory.
Estatal, esta última, conta com maquinaria mais moderna e um número, por comparação com a Yodgorlik, extrapolado de trabalhadores.
Há algum tempo, no pico da sua produção, chegou a empregar para cima de quinze mil trabalhadores. Nesse período, gerava em redor de 22 milhões de metros quadrados de tecido anuais.
Bem acima dos 72 mil metros quadrados gerados pela produção manual da Yodgorlik.

Sala de exposição da fábrica Yodgorlik
À margem destas que são as principais fábricas e empresas, um bom número de artesãos privados contribuem para eternizar o legado da Rota da Seda, com as suas próprias oficinas, ateliês e negócios.
Vários, conseguem contractos proveitosos com empresas importadoras.
O bazar que complementa o grande mercado de Margilan proporciona-lhes transacções em permanência, estabelecidas com donos de lojas e consumidores directos da região.
Os próprios uzbeques, vizinhos quirguizes e vários outros chegados de mais longe, deslocam-se à cidade com o intuito de lá se abastecerem das melhores peças de seda à face da Terra.
À Margem dos Tecidos, a Olaria, o Pão e Restantes Produções Artesanais
Margilan é, no entanto, um bastião de vários outros tipos de produções históricas e artesanais.
Por fim, deixamos a Yodgorlik. Ravshan e Nilufar levam-nos a oficinas de olaria análogas. Lá acompanhamos artesãos de mãos e pés sensíveis que operam tornos carregados de barro.

Exposição de olaria
Que deles fazem emergir taças e outras admiráveis louças, azulejos e todo um sortido de peças desenhadas e pintadas com pincéis finos, firmeza de invejar.

Pintura minuciosa de uma peça de olaria
Ainda passamos por uma padaria histórica da cidade, a do padeiro corajoso, sempre tostado pelo seu forno tandir, Maruf’Jon.
A ele, à riqueza do pão uzbeque, já dedicámos, há algum tempo, o seu merecido artigo.
COMO IR
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