Quase 80% do território gabonês é composto por floresta tropical densa. O PN Loango fica na confluência exuberante dessa floresta com o litoral Atlântico. É feito de lagoas, de rios largos e escuros, de uma savana assente em areia repleta de bolsas de selva misteriosa. Percorrem-no elefantes, búfalos, gorilas, chimpanzés, sitatungas, javalis. Espécies sem fim de um domínio terrestre protegido e prodigioso.
Despedimo-nos de Fausto, o português dono da “Taverne Lisboa” de Port Gentil, ainda mais gentil que a cidade em que vivia, que nos levou até Ombué e nos preparou o resto da viagem, de maneira a que chegássemos sem percalços.
Passamos da sua pick up para uma camioneta de safaris. Conduz-nos um motorista do hotel Olako local, plantado à beira da lagoa Nkomi, também conhecida por Fernan Vaz, em homenagem ao navegador português que, em 1473, terá sido o primeiro europeu a alcançá-la.
De Ombué para sul, o projecto mal-amanhado de estrada asfaltada em que seguíamos, transforma-se numa via de terra vermelha-viva, como quase todas, no Gabão. Os quilómetros passam.
Às tantas, uma ramificação indica a direcção para uma zona vedada, detida por uma empresa petrolífera francesa-gabonesa, uma das que asseguram a independência energética gaulesa preconizada pelo general De Gaulle, aquando da libertação das colónias francesas em África.
Tomamos o caminho alternativo. Por algum tempo, seguimos paralelos a um oleoduto sinalizado, mas dissimulado. A distância revela-nos a visão algo surreal de uma torre de prospecção, com a sua chama em combustão num plano bem acima do da selva.
Adiante, passamos por uma povoação algo abarracada, feita de casas de madeira dispersas sobre a savana.

Placas de beira da estrada indicam os antigos Loango Lodge e Gavrilo Lodge
À beira da estrada, um bar humilde a condizer, o “Le Point Final”, ajudava a qualificar as paragens em que nos estávamos a meter.
Prosseguimos. A determinada altura, enfiados em bolsas de selva densa, encharcada pelas chuvas regulares e fulminantes que fazem do Gabão um domínio em boa parte alagado.
Confrontamo-nos com charcos de estrada tão avolumados que faziam sumir a via.

Jipe percorre a estrada encharcada e problemática que conduz à brigada ANPN e à margem da Lagoa Iguela
O condutor muda para tracção às 4 rodas.
Cruza-os todos sem hesitações ou percalços, além de a água escura quase nos invadir a cabine aberta.
Vencido um derradeiro charco, entramos noutra povoação.
A Entrada no Parque Nacional Loango e no Ndola Lodge
Lá se situava o quartel-general de Loango da Agence Nacional des Parcs Nacionaux. Registamo-nos no livro residente de visitantes.
Transferimos as malas para uma lancha. Jean-Marie, o timoneiro que nos aguardava, zarpa para o canal principal da grande lagoa de Iguela, aquele que provinha directo da sua foz no Atlântico.
Seis ou sete minutos contados, já com as vagas do oceano à vista, Jean Marie aponta a lancha a um molhe no fundo de uma encosta.
Acolhia um edifício central de madeira, ladeado por tendas.
Tínhamos chegado ao Ndola Lodge. Durante quatro noites, servir-nos-ia de base de exploração do PN Loango que se estendia para o interior do department gabonês de Ougooé-Maritime.
Subimos a escadaria que liga o molhe ao edifício central.
No cimo, Frank, o gerente, dá-nos as boas-vindas e indica-nos a cabana em que íamos ficar.
Instalamo-nos. Depois, almoçamos. Tagarelamos à mesa.

Um dos lagartos arco-íris abundantes no Gabão e em boa parte da África Equatorial
Logo, cirandamos em modo de descoberta, atentos aos movimentos dos exuberantes lagartos arco-íris, uma espécie disseminada por todo o Gabão.
Recuperadas as energias, pouco antes das quatro, subimos a bordo da carrinha de safaris do Ndola Lodge para uma primeira incursão ao parque.

Um dos veículos de safari do Ndola Lodge, junto ao oceano Atlântico
Parque Nacional adentro, em Modo Safari
Ndola foi erguido no limiar de uma pradaria vasta, salpicada de retalhos de floresta.
Tudo assente numa superfície arenosa legada pela descida pré-histórica do nível do mar.
Serpenteamos do lodge para o interior.

Trilha deixada sobre a savana pela passagem dos veículos do Ndola Lodge e outros
De olho na savana aberta que, ao fim da tarde, os animais frequentavam, em busca de luz solar, de pastos frescos, do espaço aberto que lhes faltava na floresta.

Búfalos de vigia na orla de uma bolsa de floresta equatorial
A conservação da vida selvagem e a alta densidade de animais de que o Gabão tem fama, depressa se comprovam.
Começamos por avistar um trio de calaus-pretos e ruidosos no cimo de uma árvore.

Família de elefantes numa floresta baixa do limiar oceânico do PN Loango
Os Elefantes Inaugurais. De Muitos, Muitos Mais
Instantes depois, os primeiros dois de muitos elefantes do parque. Uma mãe paquiderme pastava com uma cria por perto.
Por instinto, mantinha-a junto à orla de uma bolsa de floresta que, no caso de as afligir alguma ameaça, por exemplo, um leopardo, lhes serviria de protecção.
Aproximamo-nos o possível. Bastante.
Já meio habituados aos contactos com os humanos do lodge, em vez de se enfiarem no breu vegetal, os animais caminham na nossa direcção, entretidos a devorar erva humedecida.
Por ali ficam, até sermos nós a debandar.
Avançamos até próximo de um meandro da Lagoa Iguela que um abutre-das-palmeiras patrulhava, a partir de uma copa desfolhada.

Abutre-das-palmeiras vigia no cimo desfolhado de uma árvore
Do cimo da margem, procuramos por hipopótamos.
Em vão. Em vez, ao regredirmos para o interior, damos com elefantes numa manada mais ampla.
Um macho detecta-nos o odor levado por uma brisa lateral. Irascível, de marfins impressionantes, esboça uma investida contra a carrinha.

Elefante confronta o veículo de safaris em que o observamos. Acabaria por obrigar a uma rápida marcha-atrás
Repete-a até se aproximar demais.
A sua determinação força o condutor a retirar-nos em marcha atrás, até à segurança da pista principal.
Savana e Praia, a Orla Peculiar do Parque
A salvo, prosseguimos na direcção da praia, por aqueles lados, antecedida por uma lagoa paralela à costa, que oscilava de tamanho consoante as chuvas e as marés.

Árvores acima de uma planície costeira do PN Loango
Do extremo a que a faixa costeira nos permitia chegar, avistamos uma manada de búfalos.
Salpicavam um pasto alagado com o seu tom caramelizado, bem distinto do negro dos búfalos africanos, asiáticos e até sul-Americanos, os da Ilha brasileira de Marajó, por exemplo.
Dali, identificávamos também um grande crocodilo do Nilo.
Recarregava-se sobre um tronco de árvore encalhado.

Crocodilo do Nilo recarrega sobre um tronco, num lagoa de água salobra
Até ao pôr-do-sol, cruzamo-nos com dezenas de elefantes mais, dispersos numa floresta costeira arbustiva e verdejante.
De tempos a tempos, tanto os elefantes como os hipopótamos enfiam-se no mar e divertem-se com as vagas.

Elefante caminha acima da praia e lagoa na orla do PN Loango
Michael Nichols, um fotógrafo que participou na grande expedição MegaTransect (1999-2000) liderada por Michael Fay, registou e divulgou um desses momentos peculiares.
Não temos a mesma sorte.

Sol prestes a assentar no limiar ocidental do PN Loango
Com o ocaso a dar lugar ao lusco-fusco, tornava-se demasiado perigoso permanecermos por ali, entre elefantes.
De acordo, revertemos marcha, apontados ao lodge.
Novo Dia, Exploração até Luri. E de Volta
Durante boa parte dessa noite, ouvimos e vislumbramos mais elefantes na beira da lagoa, logo abaixo da nossa cabana.

Lagoa represada paralela ao oceano Atlântico, na zona de Luri
Continuamos a encontrá-los, ao longo dos dias.
Até na lagoa longilínea de Luri, em que a empresa dona do Ndola Lodje mantinha um acampamento remoto.

Elefante cruza a lagoa de Luri (vista aérea)
Os Gabon Wildlife Camps & Safaris só o activavam quando recebiam reservas que justificassem para lá enviarem pessoal. Não era o caso.
Mesmo assim, acabamos por desbravar a zona de Luri, numa outra longa e deslumbrante jornada.
A lagoa de Iguela continuava, por ali, no plano de visão de Ndola. No dia seguinte, despertamos com o som de chuva torrencial.
A Lagoa de Iguela, os Seus Hipópotamos e Muito Mais
Uma espera paciente para lá da hora do pequeno-almoço, viabiliza-nos uma saída à sua descoberta.
Zarpamos na direcção da brigada ANPN.

Manguezal preenche uma margem da lagoa de Iguela
Após um meandro inicial, internamo-nos numa zona de manguezal de que o descer da maré fazia revelar raízes exuberantes, duplicadas pelo reflexo na água opaca e lisa.
Depois, inauguramos uma busca de hipopótamos que considerávamos prioritária.
Demora o que demora.
Enquanto subimos a lagoa, passamos por dois que, naquela imensidão aquática, acabamos por perder.
Até que entramos no mesmo braço da lagoa que tínhamos espreitado de terra, numa das tardes anteriores.

Guia do Ndlola Lodge no comando de uma lancha.
O timoneiro imobiliza a lancha.
Diminui o ruído do motor.
Contados pouco mais de dois minutos, emergem uma mãe e uma cria, a tentarem apurar, com sucessivas emersões, o que se acercava do seu território.

Hipopótamos nada num braço da lagoa Iguela
Repetem-no umas poucas vezes. Até que decidem mudar-se.
A progenitora lidera o caminho com propulsões vigorosas do corpo massivo que a criatura juvenil tenta imitar.
Deixamo-los seguir o seu caminho.
Retomamos a ascensão da lagoa.
Chama-nos a atenção o edifício lacustre abandonado daquele que foi, durante largos anos, o protagonista do acolhimento do PN Loango, o Loango Lodge.

O edifício principal do antigo Loango Lodge, em tempos o principal lodge do PN Loango
Num óbvio estado de decadência, mantém o seu molhe de desembarque dotado de um gazebo.
Uma escadaria dá acesso a um edifício de telhado duplo, bicudo, que antes servia de recepção. Atrás, disseminado entre palmeiras-d’óleo, subsistem os bungalows-quartos e outros.
Enquanto o observávamos, sobrevoa-nos um bando de papagaios estridente. Seguimo-los com os olhos.
Percebemos que tinham aterrado numa árvore no limiar do velho lodge.
Pedimos ao skipper para nos deixar desembarcar por perto.
De forma sub-reptícia, passamos para a margem ensopada.

Papagaios num pouso acima do antigo Loango Lodge
Procuramos o pouso dos papagaios que, estimávamos, por ali estarem em função dos frutos abundantes das palmeiras.
Percebemos onde se alinhavam. As aves concluem que lhes barrávamos o livre-acesso às palmeiras. Descolam para novo reconhecimento das margens da lagoa.
Nós, aproveitamos para investigar a relíquia de lodge, que o guia nos explica ter sido vetado pelas autoridades, por falta de pagamento de impostos.
Ou, para sermos mais claros, devido a desavenças entre os proprietários influentes e os governantes ainda mais influentes do Gabão.
Regresso Tardio ao Abrigo do Ndola Lodge
Nesse entretém, já tínhamos ultrapassado o tempo previsto para a exploração de Iguela.

Timoneiro do Ndola Lodge a postos numa lancha de serviço
Revertemos rumo, para a sua foz e reentramos no Ndola Lodge.
Sobre o fim da tarde, junto a uma das ilhas misteriosas de floresta tropical, esbarramos com uma vara de porcos-vermelhos-do-rio (potamochoerus porcus).
Esquivos, os bichos fogem num ápice.
Nos segundos em que os admiramos constatarmos o quão exóticos eram, de pelo quase escarlate, os focinhos com manchas negras peculiares e as orelhas, pontiagudas, tão ou mais peludas.
O fim da tarde e a noite, trazem novas bátegas que só sobre a aurora dão tréguas.

Ocaso reflectido numa lagoa mantida pelas chuvas regulares
A derradeira manhã, dedicamo-la ao Loango Gorilla Project e à sua comunidade de gorilas.
É toda uma outra estória.

Anoitecer na lagoa Iguela diante do Ndola Lodge