O ponto de encontro era uma loja verde e amarela do povoado de Phuzamoya.
Chamada “Vuk’uzibonele”, ficava à beira da estrada MR8 que, já longe do âmago suazi de Ezulwini nos trazia do Parque Real Nacional Hlhane. Vuk’uzibonele é um termo composto xhosa e zulu traduzível como “levanta-te e faz tu mesmo”.
A reserva de Mkhaya em que nos aguardavam estabelecia ainda duas horas de entrada e saída, as dez da manhã e as quatro da tarde. Chegávamos sobre as 15h.
Pouco disposto a esperar, o motorista que nos conduzia inspira-se no lema do estabelecimento. Deixa-o para trás. Avança na direcção do rio Mzimphofu.
Atravessamos o caudal então exíguo, pelo lado de uma ponte que as últimas cheias tinham danificado. Percebemos que aquele e outros meandros do rio marcavam uma fronteira bem clara. Para oeste, estendiam-se retalhos de terras cultivadas e habitadas.
A oriente, uma savana imensa coberta de vegetação espinhosa ainda verde, em que predominavam as acácias. De entre estas, destacavam-se as nigrescens, as micaias, como são tratadas em Moçambique.

Ave de vigia, no âmago da Reserva de Mkhaya
Que, sob o seu nome suazi, baptizaram a reserva de Mkhaya e definem casa em virtude de, em tempos, as casas da nação suázi serem erguidas na sua madeira.
Subimos do rio para dentro da savana, por uma estrada de terra batida áspera. Até que nos detém um portão. O motorista consegue sinal de telefone. Pede que nos venham buscar. Do lado de lá, mesmo meia-hora antes do tempo vespertino regular, acedem.
Esperamos um pouco.
Entrada na Reserva Natural de Mkhaya, Directos para um Game Drive
Não tarda, surge um ranger sobre uma moto. Abre-nos o portão.
E o caminho para a recepção da reserva, um conjunto de edifícios disposto em redor de uma vivenda de campo bem integrada.

Ossadas expostas num edifício de entrada da Reserva de Mkhaya
Servem-nos refrescos que saboreamos junto a uma pilha de crânios de animais.
Aproximam-se as quatro da tarde. Passam-nos e à bagagem para um dos jipes ao serviço da reserva. Contados meros vinte minutos, transbordam-nos para um outro, já com passageiros.
Por fim entregues, dedicamo-nos em pleno ao que nos levava a Mkhaya: a sua fauna protegida e abundante.

Javali africano dourado pelo sol do fim da tarde.
Bongani Mbatha, o guia designado, cumpre um itinerário que passa por várias lagoas, cobertas por uma película verde de algas.
Facocheros e distintos antílopes, incluindo elegantes topis, bebem em volta.

Hipopótamos num lago repleto de limos da Reserva de Mkhaya
Sem aviso, provavelmente perturbados com a intrusão, uma família de hipopótamos emerge e examina os responsáveis.
Logo, refugia-se num recanto mais distante, abaixo de um condomínio sobrelotado de ninhos de tecelões.

Hipopótamo sob uma condomínio de tecelões
Circundamos a lagoa.
O Primeiro de Vários Rinocerontes de Mkhaya
A determinada altura, damos com um rinoceronte dela recém-saído.
Pasta erva tenra da margem.
Quando ficamos lado a lado, percebemos que a lagoa o tinha tingido com um estranho uniforme, o corpo portentoso dividido, na diagonal, por uma secção inferior, molhada e escurecida.
E, acima de uma linha verde feita mesmas algas lacustres, outra, mais diminuta e clara.

Rinoceronte listado após sair de uma lagoa repleta de limos.
Seguimo-lo por algum tempo. O necessário para Bongani Mbatha avaliar o comportamento e a disposição do bicho.
“Parece-me tudo normal.” Transmite-nos o guia, sem sinal de inquietação. Forma-nos quanto a como nos devíamos comportar na iminência do rinoceronte e acrescenta um decisivo “Podemos descer!”
Todos a bordo seguem a instrução.
Durante um quarto de hora, caminhamos na iminência daquele portento, quase lado a lado, apenas um pouco atrás, de maneira a não obstruirmos o seu rumo, nem suscitarmos a sua ira.

Um dos rinocerontes protegidos na reserva de Mkhaya.
Já tínhamos tido experiências semelhantes, por exemplo no Parque Nacional Matobo, no Zimbabwé, a partir de Palmwag, na Namíbia e no PN Kaziranga, na Índia.
Não só.
Ali, naqueles confins da velha Suazilândia, a vestimenta inesperada e a tranquilidade imperturbável da criatura, que nos deixava caminhar a uns poucos metros, coloriam e avivavam o raro privilégio.
O rinoceronte deita-se à sobra de arbustos espinhosos. É a deixa para reentrarmos no jipe, para prosseguirmos à descoberta da vida selvagem residente.
Rinocerontes à Parte, a Fauna Diversificada da Reserva de Mkhaya
Entre outras lagoas, atrás e acima de acácias verdejantes, duas girafas contemplam-nos, intrigadas.

Girafas acima do plano das árvores.
Nialas adultas, cruzam a via diante do jipe. Distanciam-se o suficiente para se sentirem seguras.
Permitem-nos, assim, admirar a sua exuberância felpuda. “São animais incríveis, não são?” indaga-nos Bongani. Concordamos, sem ponta de condescendência, até porque se tratavam de um dos nossos antílopes favoritos.
“Nós, cá, meio na brincadeira, chamamos-lhes “yellow socks”. As “meias amarelas” da espécie podiam não ser o que mais se destacava.
Contribuíam de forma bem gráfica para a sua singularidade.

Inialas fêmeas numa área arbustiva da reserva de Mkhaya.
Pela tarde fora, encontramos e admiramos vários outros animais, mais ou menos dissimulados na imensidão amarelada do lowveld de Eswatini. Por fim, a grande estrela que nos dava vida a todos desfaz-se sobre o horizonte alisado.
Os rangers anunciam o fim do game drive.
O Refúgio Nocturno do Stone Camp
Apontam à área de acolhimento da reserva, instalada pouco acima de outro rio, o Mhlangatane, que percorre a savana de norte para sul, até, umas centenas de metros abaixo, se entregar ao Mzimphofu.
Encontramos o Stone Camp de Mkhaya numa mancha que o rio e lençóis freáticos abundantes tornavam floresta, em vez de savana.
Revela-se bem mais que um acampamento, composto por uns poucos edifícios nucleares, erguidos quase só em materiais orgânicos da zona, seixos de distintas formas e tons, combinados com madeira, sobretudo troncos de Mkhayas.

O Stone Camp da Reserva de Mkhaya.
Desses edifícios, partem uns poucos trilhos, após o crepúsculo, sinalizados por candeeiros a petróleo alinhados.

Candeeiros a óleo guiam o caminho para as cabanas do Stone Camp
Por um destes trilhos, empregados do Stone Camp levam-nos até ao chalé que nos tinham atribuído.
Quando lá chegamos, percebemos que se tratava de uma estrutura aberta, no sentido literal do conceito.

Cabana de pedra aberta do Stone Camp
Faltavam-lhe portas.
Como faltavam janelas, portadas ou o que fosse numa grande moldura de pedras polidas que enquadrava a vegetação ribeirinha e um vislumbre do leito do Mhlangatane.
A ausência de sinais de telefone ou de Internet e a inexistência de electricidade só reforçavam o imaginário pré-histórico do Stone Camp.
Sem aviso, aparecem duas senhoras suazi enroladas em panos tradicionais emahiya vermelhos e brancos, com a figura a preto-e-branco do rei Mswati III destacada sobre os ventres. “Quando quiserem, venham até à esplanada.
Estamos a servir aperitivos. O jantar é daqui a pouco.
Guardem tudo dentro das malas.
Os macacos de cá são atrevidos. Têm o hábito de entrar e levar coisas.”

Macaco espreita de uma árvore em redor de Stone Camp
Seguimo-las.
Um Jantar Animado, à Beira do Rio Mhlangatane Seco
Instalam-nos entre grandes árvores e outros hóspedes, numa área de repasto elevada face ao rio, iluminada por uma fogueira vigorosa e demais candeeiros a petróleo.
Jantamos sob um céu sarapintado de astros, de constelações ajustadas àquelas paragens dos fundos do Mundo.

Fogueira acesa no Stone Camp da Reserva de Mkhaya
Findo o repasto, mulheres suazi agrupam-se junto à fogueira.
Ao ritmo de tambores tocados pelos homens que, como elas, serviam o Stone Camp, prendam os convivas com cantorias e danças tradicionais bem enérgicas, à moda suazi, repletas de elevações de pernas ao nível da cabeça, simbólicas da combatividade do povo de Eswatini.
A exibição arrebata uma salva de palmas generosa.

Mulheres exibem danças tradicionais suati no Stone Camp da Reserva de Mkhaya
Pouco depois, regressamos ao chalé. De início, estranhamos a exposição inusitada à selva.
O cansaço acumulado no dia longo e intenso depressa nos condena a dormir, embalados por uma sinfonia de sons díspares, produzidos por rãs, por insectos e aves nocturnas.
“Knock, knock” grita a empregada que, sobre as 5h30 da manhã, ainda escuro, nos leva chá, café e biscoitos.
“Dormiram bem? Questiona-nos, com ar maroto”. “Pouco, mas bem, sim, obrigado!” “Óptimo!” continua. “Já tivemos clientes que choraram quando viram que iam passar a noite assim, na mente deles, desprotegidos.
Outros, reclamam que não foram informados. Exigem uma alternativa…” Rimo-nos de duas estórias com que ilustra melhor. Em seguida, saímos.

Nialas cruzam o leito seco do rio Mhlangatane
Damos uma espreitada no rio Mhlangatane. Duas nialas cirandavam ao longo do leito seco. Turacos-azuis, a ave nacional e real de Eswatini, esvoaçavam acima.
A Aurora Inusitada e Novo Safari na Reserva de Mkhaya
Convocam-nos para o safari madrugador.
Voltamos a ver rinocerontes, tanto dos brancos como dos raros negros, que têm na Reserva de Mkhaya um dos domínios em que são mais facilmente apreciados em África.

Pormenor de uma orelha de rinoceronte.
O responsável pela sua protecção local é Ted Reilly, mentor dos famosos Big Game Parks de Eswatini: Mlilwane, Hlane, Kam Sholo e Mkhaya.
Em 1979, Mkhaya mantinha-se uma reserva dedicada a preservar o gado nguni autóctone da Suazilândia e arredores, em risco de extinção devido aos excessivos cruzamentos com espécies de vacas não nguni.
Inspirado pelo sucesso conservacionista de outras reservas e parques – a começar pelo da pioneira Mlilwane – Ted Reilly decidiu-se a recuperar, em Mkhaya, animais que, em tempos, integraram a fauna selvagem de Eswatini, mas ameaçados. Incluindo topis, palancas-negras, búfalos e gungas.
Ora, devido à procura de pó dos seus chifres, sobretudo na China e no Vietname, os rinocerontes-negros depressa se tornaram a espécie mais atormentada.
Nessa manhã, após uma curta expedição de jipe pelo leito seco e arenoso do Mhlangatane, voltamos a encontrá-los.

Guia de Mkhaya conduz ao longo do leito seco do rio Mhlangatane
A pouca distância do Stone Camp, numa secção controlada em que os rangers de Mkhaya os conseguem escudar da praga de caçadores furtivos activa em redor, sem terem sequer que lhes remover os seus valiosos e concorridos chifres.
É esse, afinal, um dos principais atributos da reserva que desvendávamos.
Na compartimentada Mkhaya, ao contrário de noutros parques e áreas protegidas de África, os guarda-parques podem prometer avistamentos de rinocerontes.
São imunes ao risco de desiludirem os visitantes.
Como Ir
Voe para Maputo, com a TAP Air Portugal: flytap.com/. De Maputo, num veículo alugado, poderá chegar à Reserva de Mkhaya em cerca de três horas.
Onde Ficar
Mkhaya Game Reserve: https://biggameparks.org/properties/mkhaya-game-reserve-3
Email: reservations@biggameparks.org
Tel.: +268 2528 1000 / +268 7677 6772
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