O avião faz-se à pista, uma mera linha de asfalto com orlas de terra alaranjada.
Em boa parte, serve de limite oeste ao casario de Ouésso, como serve, a oriente, o caudal do Sangha.
Aterrávamos num ínfimo ponto urbanizado, perdido numa selva ancestral de que, nem a 8km ou 9km de altitude, conseguíamos perceber fim.
Descemos da cabine para um aeroporto quase deserto.

Avião recém-aterrado no aeroporto de Ouésso
A meio da tarde, uma brisa ligeira atenuava um bafo quente sedativo, bem mais seco que aquele a que Brazzaville nos tinha habituado.
Cumprem-se uma verificação de passaportes, a recuperação quase tão rápida das malas e uma transferência para o melhor hotel da cidade, um conglomerado de quartos geminados em redor de uma piscina agitada por jovens congoleses.
Instalados, intrigados quanto ao que nos revelaria Ouésso, saímos para um giro explorador.
Caminhada por Ouésso, em Busca do Grande Rio Sangha
A direcção a tomarmos era já óbvia. A da margem do Sangha contígua à cidade e do porto fluvial que a serve.
Detemo-nos umas poucas vezes no percurso, atraídos por momentos e visuais da vida local.

Moradores de Ouésso junto a um pequeno negócio de roupa
Adiante, ao longo de uma riba que a época seca vigente tinha aumentado e afundado, uma profusão de barcos de madeira e pirogas artesanais salpicam um rio imenso.
Aproximamo-nos.
Cirandamos pelo cimo panorâmico.
Tempo suficiente para o sol começar a assentar e ditar o regresso ao ponto de partida.
Voltamos na tarde seguinte, integrados numa primeira navegação pelo Sangha.
Ao largo, trabalhadores com a água quase pelo pescoço extraem areia do rio para grandes pirogas adaptadas a plataformas.

Homens dragam areia do leito do rio Sangha para pirogas plataforma.
Passam outras por perto. Nelas se equilibram congoleses musculados por toda uma vida a pagaiar.
Num recanto da orla, pescadores prendados com peixes recém-capturados geram um frenesim discutido em dialecto lingala por mulheres histriónicas de dedos em riste, projectados de vestidos com padrões africanos de todas as cores.
Avançamos na direcção do jardim La Corniche e na grande doca de betão elevada da cidade. Ainda antes, desviamos para uma escadaria de madeira, vertiginosa, que nos leva à beira-rio.
Ali, num outro corrupio de embarques e desembarques de pirogas, subimos pela primeira vez a bordo de uma das lanchas ao serviço da expedição Ducret.
O Memorial Secular da Batalha de Mbirou
O timoneiro navega Sangha abaixo, rumo à margem oposta e, quase 15km a sudeste, de um lugarejo subsumido na selva.
Um duo de moradores e guias locais saúda-nos e a Arold e Shadrack, dois dos guias que integravam a equipa Ducret.

Nomes das vítimas do confronto entre franceses e alemães em Mbirou.
Conduzem-nos ao monumento que testemunhava o mérito histórico de Mbirou, um conjunto alvo formado por duas sepulturas e um memorial com nomes e datas inscritos numa placa de bronze.
Inauguraram-no, em 2014, um ministro da presidência congolesa, os embaixadores da França e da Alemanha na República do Congo. Por ocasião do século decorrido desde que forças de ambos os países ali se defrontaram com várias casualidades.
O confronto deu-se num quadro africano e remoto da Primeira Guerra Mundial em que, em 1911, Alemanha tinha avançado da sua colónia dos Camarões (a norte) e se apoderado de boa parte do território francês da bacia do Sangha e do norte do Gabão.
Em Agosto de 1914, por fim, os franceses reagiram. Tropas suas provindas do sul e belgas chegadas do Congo Belga derrotaram os alemães em Mbirou e em redor de Ouésso.
Devolveram a região ao jugo colonial francês que se prolongaria até à independência de Agosto de 1960.
Submetidos, em 1918, no conflito mundial, os Alemães viram os franceses apoderarem-se da região de Ouésso e os Aliados de todas as suas colónias africanas.
Deixamos o memorial.

O memorial de Mbirou, a 15 km de Ouesso, rio Sangha abaixo. Foi erguido em honra de vítimas de um confronto entre alemães e franceses na 1a Guerra Mundial
Selva Congolesa Adentro: a Ausência de Animais Causada pelo Excesso de Caça
Seguimos um trilho dissimulado numa secção da margem que um riacho alagava, para o interior da selva que, cem anos antes, fez de palco ao confronto.
A caminhada deveria servir como baptismo à fauna e flora congolesa irrigada pelo Sangha.
A flora, exibiu-se em todo o seu esplendor, sobretudo na forma de incontáveis árvores portentosas e valiosas, com troncos cobiçados, copas amplas e densas que baniam a maior parte da luz solar. A fauna, essa, ficou-se por umas poucas aves diminutas, anfíbios e insectos, nenhum espécime que nos suscitasse admiração.
Tal como viemos a constatar ao longo da expedição, agravado nas margens do Sangha e na proximidade de povoações, vitimava a fauna congolesa de maior porte o hábito há muito arreigado de as populações locais caçarem para consumo próprio, para venda em mercados como o de Ouésso, sempre bem fornecido de peças de animais selvagens.
Um estudo publicado em 2008, revelou a estimativa de que em vários anos da década de 90, os mais de 70 mil moradores da região de Ouésso tinham consumido quase 8 mil quilogramas de carne de animais selvagens por semana.
Os animais mais vitimados tinham sido os pequenos cabritos da selva.
Com peso bem superior, também na estatística, contavam-se, entre outros, macacos, gorilas e até elefantes.
Sentirmos os efeitos do flagelo da bushmeat naquela incursão inicial levou-nos a valorizar cada parque nacional criado na bacia do grande rio Congo, de que irradia a segunda maior área de floresta tropical do Mundo, apenas atrás da Amazónia.
Ao mesmo tempo, cada espécime selvagem que viéssemos a avistar.

Folhas de uma árvore tropical na floresta da zona de Mbirou
Os guias tinham planeado uma caminhada circular. Decorrida uma hora, damos com o mesmo riacho alagado em que tínhamos começado.
Mudanças no Clima e no rio Sangha que afectam a Navegação
Voltamos a navegar no Sangha.
Passamos sob uma ponte baixa, recém-construída, dizem-nos que pelos chineses, de maneira a viabilizarem a ligação rodoviária de um lado ao outro do rio e entre Ouésso e, mais a sul, Pokola.
A ponte foi, todavia, erguida com altura insuficiente para passagem de embarcações de maior porte, raras, naquele trecho setentrional do Sangha.
Uma das afectadas foi a “Princesse Ngalessa” da Expedição Ducret que, antes, pelo menos durante a época das chuvas, podia navegar Sangha acima, Sangha abaixo, como o fazem os nativos, em pirogas artesanais.

Nativos sobre uma piroga, no rio Sangha.
No quase fim de Dezembro, com as últimas chuvadas tropicais constantes idas há mais de um mês, o caudal do Sangha baixava de forma drástica.
Inviabilizava que a primeira fase da expedição Ducret se realizasse a bordo do “Princesse Ngalessa”.
Na manhã seguinte, bem cedo, voltamos a zarpar de Ouésso.

Barco diminuído pela imensidão do rio Sangha.
Navegação para Montante do Rio Sangha
Contracorrente, e contra uma névoa rasteira que envolvia o Sangha e a sua floresta de mistério digno da narrativa de Joseph Conrad, de Marlow na senda de Kurtz.
Entramos e saímos vezes sem conta da neblina.

Pescador no rio Sangha, a norte de Ouésso
Passamos com a mesma efemeridade pelos dia-a-dias fluviais dos nativos congoleses.
Por pescadores que lançam redes para o rio.
Por outros que o cruzam, apontados a aldeolas quase dependuradas de margens de que o Sangha se afastava.

Aldeia ribeirinha entre Ouésso e o PN Lobéké
Umas poucas grandes pirogas motorizadas, a abarrotar de passageiros e de carga.
Acima do rio e das povoações, a selva brumada desdobrava-se num verde granulado e sem fim.
De quando em quando, quando a névoa o concedia, exibiam-se árvores com tons que quebravam a uniformidade clorofilina.
Azobés com copas escarlates.

Árvores azobé destacam-se do verde predominante da selva nas margens do rio Sangha.
Sumaúmas repletas de algodão. Palmeiras de óleo que, mesmo verdes, destoavam pela exuberância das suas copas de abanador.
Serpenteamos meandro após meandro. Amiúde, num caudal tão raso e arenoso que colocava o timoneiro em apuros.
Desde pouco acima de Ouésso que o Sangha marcava a fronteira entre a República do Congo e os Camarões.
Por alguma razão que desconhecíamos, ajustada de maneira a, numa primeira secção, deixar todas as abundantes ilhas fluviais do lado do Congo. Mais a norte, à laia de compensação, já parte dos Camarões.
A Chegada à Ilha Acampamento às Portas do PN Lobéké e dos Camarões
Cumpridas três horas de navegação, passamos pelo povoado ribeirinho de Moipembé e por uma tal de ilha Koussi.

Barco navega ao longo da ilha usada como acampamento pela Expedição Ducret, rio Sangha
À esquerda desta, há uma outra, com o dobro do comprimento e na iminência de um meandro pronunciado do Sangha.
No seu extremo norte, esta ilha longilínea tem o prolongamento de uma língua de areia considerável. Nicolas Ducret e a equipa da Expedição Ducret tinham lá instalado um acampamento intermédio providencial.
A pouca distância de um posto de controle do Parque Nacional camaronês de Lobéké, das aldeias congolesas de Bomassa, Bon Coin e da entrada local do Parque Nacional de Nouabalé-Ndoki.
No meio do rio Sangha, num cenário da selva congolesa com muito de surreal.
Desembarcamos.

Tendas no areal da ilha no rio Sangha usada pela Expedição Ducret para acampamento
Admiramos a linha de tendas encostada à orla da floresta insular. Instalamo-nos numa das mais próximas do fluxo oposto do Sangha, onde fluía veloz, mas raso.
Com o sol a atingir o zénite, o calor a apertar, enfiamo-nos no rio. Deixamos o caudal do Sangha massajar-nos. Encenamos cenas de filme de guerra com ilhéus de vegetação que descem ao nosso encontro.
À tarde, refrescados, recarregados de energia, entregamo-nos a uma visita ao PN Lobéké tão ou mais surreal que a ilha que, por duas noites, nos abrigaria.

Início do ocaso, a oeste de Ouésso, Rep. do Congo
Como Ir:
Voe para Brazzaville com a Air France ou a Royal Air Maroc por a partir de 1600€.
Reserve o seu programa preferido de Expedição Ducret, Cruzeiro Ducret: de 8 a 15 noites, através do site expeditions-ducret.com, do telefone +33 1 84 80 72 21 e do email: [email protected]