Duas noites depois, chegava a hora de deixarmos o acampamento na ilha do rio Sangha.
Despertamos cedo, com tempo para refazer mochilas, para um pequeno-almoço revigorante, sob um rocio inesperado, com o seu quê de refrescante.
Enquanto devoramos a refeição matinal, a equipa das Expedições Ducret prepara a logística da navegação que se seguia.
Repartimo-nos por duas lanchas.
Entusiasmados e com a curiosidade renovada, ajustada ao que o Sangha nos revelasse.
Por fim, zarpamos para um fluxo de névoa que envolvia o caudal.

Névoa matinal a envolver o rio Sangha
À medida que progredimos, voltamos a passar pelo portal camaronês de entrada no PN Lobéké. Serpenteamos na direcção de Bomassa e do seu Bon Coin.
Arold, um dos guias congoleses, desembarca, incumbido de resolver alguma papelada essencial. Vários miúdos descem a rampa arenosa, aproximam-se das lanchas e saúdam-nos.
Duas ou três meninas seguram irmãos, ainda bebés, ao colo.
Uma outra toma conta duma boneca loura num vestido rosa-dourado.

Menina com boneca, à entrada de Boin Coin, Bomassa
Os guias regressam. A miudagem ajuda-nos a empurrar as lanchas para o rio.
Prosseguimos.
Ainda adentro e afora de bolsas de neblina que cobriam o Sangha e a selva equatorial de mistério.
Sulcadas por nativos em pirogas e barcos artesanais, entregues às suas pescarias e azáfamas fluviais.
Chegada ao Posto Fronteiriço da República do Congo
Navegamos por pouco tempo.

Lancha camaronesa carregada de passageiros, no rio Sangha
O homem do leme acerca-nos de uma margem elevada, coroada por cana-de-açúcar e umas poucas palmeiras-de-óleo.
No cimo de nova rampa arenosa, destacava-se uma grande termiteira.
Ainda mais elevada, no topo de um mastro arbóreo, pendia uma bandeira da República do Congo, subjugada à ausência matinal de brisa.
Arold volta a desembarcar, munido dos nossos passaportes.
Estávamos prestes a deixar a República do Congo.

Teias de aranha hiperbólicas, numa margem do rio Sangha
Havia que registar essa saída. Por mais inverosímil que parecesse, aquele conjunto de cabanas e edifícios abarracados servia do derradeiro posto fronteiriço congolês do Sangha.
Os oficiais demoram a aparecer. Entre os passageiros, alguém mais aficionado dos pássaros detecta uma ave que classifica como rara e especial.
O estorninho-de-peito-dourado dá azo a uma debandada generalizada das lanchas.
Quando, por fim, aparecem, ainda ensonados, os militares de serviço espantam-se com os forasteiros a cirandar pelas suas instalações, excitados com a inusitada “caçada” fotográfica.
Procedimentos fronteiriços finalizados, Arold despede-se dos guardas. Apressa o reembarque.
A República do Congo fica para Trás
Como acontecia desde a partida inaugural de Ouesso, a espaços, o leito que a época seca tornava demasiado raso, obrigava o timoneiro a manobras de desencalhamento.
Noutras ocasiões, indicações de barqueiros nativos prestáveis evitavam tais chatices.

Nativos acompanhados de cães, sobre uma piroga rasa
Andamos nesses entreténs de navegação e contemplação quando atingimos a fronteira tripla da República do Congo (para leste), Camarões (para oeste) e da República Centro-Africana (para norte).
Correspondia a um banco de areia do Sangha que só o regresso das chuvas faria desaparecer.
Daí, para montante do rio, durante quase duas horas, damos apenas com lugarejos perdidos no nada.
Com nativos embarcados em pirogas ou surgidos nas margens e em ilhas do rio.

Moradores de um lugarejo numa ilha florestada do rio Sangha
Durante largo tempo, o Sangha serve de fronteira entre a República Centro-Africana e os Camarões, em vez, de como antes, entre a Rep. do Congo e os Camarões.
Parece tornar-se ainda mais selvagem.

Macaco colobo salta de árvore em árvore
Sempre por essa orla fluvial serpenteante, passamos por Malongo, uma aldeola na margem da República Centro-Africana.
Com o afluente Kadei a abastecer o carecido Sangha, atingimos a aldeola ainda menor de Bomandjokou.
E, não tarda, a camaronesa, bem mais ampla, de Libongo.
Ali, centenas de mulheres lavam roupa numa galhofa animada, colorida por trajes e alguidares de todas as cores.

Lavadeiras nas imediações de Lidjombo, Rep. Centro-Africana
Muito mais desenvolvida que as anteriores, uma quase cidade, Libongo revela-nos ainda a sua principal fonte de receita, uma unidade processadora de madeira, instalada em 1968, e que, desde então, recebe boa parte das árvores cortadas em redor.
Não estava nos planos por ali nos determos.
Em vez, continuamos até à povoação em que tínhamos que validar a entrada, já bem arrastada, na República Centro-Africana.

A povoação de Lidjombo algo escondida por mangueiras frondosas
Lidjombo e a Entrada na República Centro-Africana
Lidjombo pouco tardou. À chegada, o timoneiro da lancha calcula mal a aproximação à margem.
Quebra a proa de uma das pirogas alinhadas num canto da rampa de acesso ao casario.
Fá-lo sob o olhar incrédulo de um grupo de jovens, uns em tronco nu, outros, enfiados em camisolas de clubes de futebol e que conversavam à sombra de mangueiras.
De início, o incidente parece não gerar repercussões. Aos poucos, o passa-palavra atinge o cerne da aldeia. O dono aparece.

Pirogas carregadas na margem do rio Sangha de Lidjombo
Reclama a compensação devida. O grupo de estrangeiros gera uma vaquinha providencial. Entrega-lhe uma soma em CFAs que resolve o problema.
Tudo isto se tinha passado abaixo do plano de nova bandeira.

Bandeira da República Centro-Africana, ondula acima do posto fronteiriço de Lidjombo
Esta, a espaços, ondulante, a mais garrida que até então tínhamos apreciado: com faixas de azul, verde, branco, amarelo. E uma vermelha, vertical, que cruzava as restantes.
O posto fronteiriço de entrada na República Centro-Africana ficava ali, em Lidjombo. De acordo, Arold volta a desembarcar. Incumbido de registar a entrada nos passaportes.
Tagarelamos um pouco com nativos.
O Declínio Produtivo de Lidjombo
Explicam-nos que, entre 1920 e 1980, operavam, ali em redor, várias plantações de café e empresas madeireiras.
Entre elas, terá existido pelo menos uma de donos ou sócios portugueses, intrusos lusófonos numa área de acção colonial francesa.
Tentamos encontrar uma igreja antiga que por ali ficou, após o encerramento destes investimentos.

Duas gerações de navegadores nativos do rio Sangha
Durante várias décadas, o café e a madeira asseguraram a subsistência das comunidades locais que a abundância de postos de trabalho fez aumentar de uma forma multiétnica.
Lá afluíram centenas de nativos, sobretudo das tribos Mpiemu (de origem Bantu), da Gbaya e da “pigmeia” Baaka.
Quando, na década de 80, os proprietários de origem europeia abandonaram as suas operações, Lidjombo regrediu. Sofreu com a falta dos rendimentos a que as gentes locais se tinham habituado.
Foi algo agravado pelo decréscimo de espécimes do peixe jombo que abundavam no rio Sangha no início do século XX, aquando da fundação de Lidjombo, com um baptismo derivado desse mesmo termo nativo.
Por muito que tivessem diminuído, os peixes disponíveis e a necessidade de deslocação no Sangha tinham justificado a questão inicial com a piroga.
Um drama solucionado em pouco tempo e que nem sequer chegou a atrasar os carimbos oficiais da República Centro-Africana.

Letreiro no posto fronteiriço de Lidjombo, Rep. Centro-Africana
Teríamos, assim, o privilégio de entrar num país – como tantos outros em África – com fama de caos político-militar, pouco propenso às incursões de forasteiros à descoberta.
Como em breve viríamos a confirmar, a República Centro-Africana que nos tocaria, pouco tinha que ver com as milícias Séléka, com a arqui-rival anti-Balaka.

Mãe e filhas a bordo de uma piroga, no rio Sangha
Muito menos com as forças russas do grupo Wagner que, mais tarde, tomaram conta de boa parte do país.
Nova instrução de reembarque dada por Arold, impede que continuássemos a explorar Lidjombo.

Lanchas das Expedições Ducret em navegação no rio Sangha.
Zarpamos uma vez mais para montante do Sangha.
Decorrido menos de 1km, saúda-nos um grupo de adolescentes que usavam uma língua de areia do rio como estação balnear.

Crianças numa ilha de areia do rio Sangha
Acenam-nos outras lavadeiras, agrupadas em grandes magotes, mais que conviviais, quase cerimoniais.
O calor e o cansaço de quase quatro horas na lancha começavam, todavia, a gerar ansiedade.
Para norte de Lidjombo, repetem-se os vislumbres de edifícios de madeira.
E os palpites de que cada qual seria o nosso destino.
Demorou o que demorou. Ainda percorremos toda a frente fluvial da maior povoação da zona, Bayanga, a porta de entrada principal de outro dos parques nacionais africanos incontornáveis, o Dzangha-Sangha. Haveríamos de os explorar.
Naquela altura, a prioridade estava em desembarcamos no abrigo privilegiado e iminente.
Chegamos ao Sangha Lodge já passava da uma da tarde. Lá nos esperavam Rod e Tamar, o duo dos seus fundadores.
Por Fim, a Visão Ansiada do Sangha Lodge
Donos da sua própria história africana, da África do Sul até àqueles confins em que andávamos, sempre deslumbrante.
Com os hóspedes refastelados em sofás e cadeiras, Rod abre as hostilidades, explana o mais que pode sobre o lodge e os seus procedimentos.
Geram-se focos de discussão sobre o que estava e não estava previsto fazermos a partir de lá.
Nesse impasse, os empregados do lodge compõem a mesa com um buffet que merecia tréguas imediatas. Instalamo-nos nas cabanas designadas.
Logo, partilhamos um almoço e convívio memorável.
O muito que seguiu, tal como o passado de Rod, de Tamar e do Sangha Lodge, vamos abordá-lo no próximo capítulo da Expedição Ducret.
Como Ir:
Reserve o seu programa preferido das Expedições Ducret, de 8 a 15 noites, através do site expeditions-ducret.com, do telefone +33 1 84 80 72 21 e do email: [email protected]
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